Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Fausto, de Goethe

O poema Fausto é considerado como uma obra prima da literatura alemã. Por sua extensão – mais de doze mil versos que, numa edição normal, ocupam em torno de 450 páginas – tornou-se muito difícil de traduzir. Veio a ser conhecido na Europa Ocidental graças á versão do escritor francês Gerard de Nerval, em 1828 – cerca de vinte anos após a edição alemã --, que corresponde apenas aos versos do que seria propriamente a Primeira Parte, considerado o adequado encadeamento da história, e também sem os episódios correlatos introduzidos pelo autor e  sem os dois  primeiros atos da Segunda Parte (incompleta na primeira edição). Ainda assim, Goethe a aprovou. As traduções ao português oscilaram entre a tentativa de preservar a versificação e a preferência por fazê-lo em prosa. Consideradas aquelas aparecidas no Brasil e em Portugal, chegam a quase dez. O maior esforço para traduzir em versos, procurando ao mesmo tempo preservar a elegância do estilo do original, seria devido a Jenny Klabin Segall (1901/1967), esposa do renomado pintor Lasar Segall. Seu trabalho seria louvado por estudiosos como Antonio Houaiss e Sérgio Buarque de Holanda. É a edição que integra a Coleção “Grandes Obras da Cultura Universal”, da Editora Itatiaia.

                  A lenda de Fausto – personagem que teria feito um pacto com o Diabo para preservar a juventude— é daqueles que povoaram a imaginação dos europeus, na época medieval quando a salvação da alma era encarada como o valor maior. A exemplo do que se dava com as histórias relacionadas à Cavalaria e ao Cálice Sagrado, sustentava-se na tradição oral. A primeira versão literária apareceria em 1587, na cidade alemã de Frankfurt. Nessa versão Fausto era o que consideraríamos bruxo ou mago, tido então como “pesquisador”, cuja pretensão consistia em alcançar o conhecimento dos “fundamentos de tudo, tanto do céu quanto da terra”, em especial o que se relacionasse aos elementos. A alquimia, que se tinha em conta de ciência, buscava a fórmula para transmutar os metais básicos em ouro e a descoberta do elixir da vida eterna. Goethe colecionou e estudou as diversas versões e adotou esse partido, isto é, o do conhecimento. Em seu poema, o doutor Fausto é um erudito reconhecido. Interessou-se pelo tema na primeira época em que  publica a novela que o tornaria conhecido – Os sofrimentos do jovem Werther. Tinha então 25 anos. É de 1776 a elaboração de um primeiro esboço. Contudo, o livro somente seria editado em 1806, aos 57 anos. Certamente não trabalhou intensamente na obra nas duas décadas anteriores. Ainda assim, levando em conta a multiplicidade de assuntos que o ocuparam em sua longa existência (82 anos), sua fidelidade a essa obra não deixa de ser surpreendente. Ao publicá-la deixou claro que a considerava incompleta. Esse complemento apareceu com a denominação de Segunda Parte. Concluiu-o em 1831 e a publicação, ainda que tivesse ocorrido o ano seguinte, não o alcançou em vida.
                  
O Diabo de Goethe, Mefistofles, corresponde a uma criação original. Ao contrário da tradição de apresentá-lo como uma criatura repulsiva, fedendo a enxofre e com pés de cabra à mostra, seduz pela erudição . Conquistar a alma de um sábio como o doutor Fausto – além do mais, uma pessoa que era tida como bom  caráter pelo próprio Deus, a ponto de liberar o Diabo naquela tentativa por acreditá-la vã – exigia muita astúcia. A excursão que os dois empreendem é vista pelo doutor Fausto como uma forma de apresentar-lhe “a multidão dos seres vivos” e verificar que “nunca é doada a perfeição ao homem”. Manifesta a sua gratidão (“sublime gênio, tens-me dado tudo; tudo o que te pedi”) e está aberto à experiência do amor (Capítulo “Floresta e gruta”) que o levará á tragédia em que se transforma o poema. Fausto irá seduzir a ingênua Margarida, para em seguida simplesmente abandoná-la. Lançada no abismo do desespero, Margarida mata o filho, é presa e condenada á morte. Expira nos braços de Fausto; redimida pelo arrependimento salva-se para a eternidade.
                   
Aqui começa de fato o que seria a Segunda Parte. A questão agora é a do exercício do poder. Na edição de 1806, depois de dois Prólogos (no Teatro e no Céu) seguia-se o que intitulou de Primeira Parte da tragédia. Subdividindo-se em capítulos não numerados, mas intitulados. O último denomina de “Cárcere”, local em que Margarida expira e salva-se. O texto seguinte subdivide-se em Primeiro e Segundo Atos. O que Goethe publicou como Segunda Parte contém o Terceiro, o Quarto e o Quinto Atos. Forma portanto um todo unitário, com os dois primeiros da edição inicial, do mesmo modo que o relato relacionado ao contato inicial entre doutor Fausto e Mefistofles e a tragédia de Margarida.
                    
Fausto, embriagado por uma espécie de sonho, vê-se diante do que poderia ser entendido como o começo do mundo. Nessa floresta fantasmagórica, “surge, magnífico, o arco multicor” onde irá refletir-se o espelho da vida. O que aparece então é a sede de um Império onde irão desfilar autoridades e gente do povo. Os personagens que povoam a cena são retirados do conhecimento profundo que adquirira da literatura clássica da Antiguidade. O primeiro ato pode ter transcorrido em Roma Antiga, já que o Imperador por vezes é chamado de César. Mas, em cena, há heróis gregos, que irão predominar no Segundo Ato, entre outros, os filósofos Tales e Anaxágoras. O Terceiro Ato, que, em decorrência da forma como veio a ser editado, inicia a “Segunda Parte”, transcorre em Esparta, no Palácio de Menelau, depois que obtém a vitória em Tróia e regressa à Grécia, trazendo de volta a esposa infiel (Helena). Helena ocupa sozinha o trono e divide-o com Fausto, até que essa espécie de fantasma desvanece. A discussão sobre o poder, entre Fausto e Mefistofles tem lugar no Quarto Ato. Talvez a conclusão esteja nessa frase de Fausto, depois do Diabo ter insistido em que o reinante apenas quer de tudo tirar proveito: “Grande erro. A quem é dado que comande, ventura pode achar só no comando”. No fim, o embate dá-se entre as hostes infernais e as legiões celestiais depois de Mefistofles queixar-se de que “o mal é que hoje em dia há métodos sem conta, para subtrair as almas ao demônio”. (Ver também GOETHE)


O Diabo de Milton, no Paraíso Perdido, também é um sedutor. Mas devendo agir assumindo a forma de uma serpente, não poderia chegar aos pés do Mefistofles de Goethe. No Fausto há mesmo um incidente, que ressalta essa singularidade, quando saem da “Taberna de Auerbach” e encontram uma bruxa que não o reconhece e a quem diz: “Vês teu senhor e amo e não pasmas”, ao que exclama a Bruxa; “Perdoai-me, ó mestre, a rude saudação! Nenhum pé de cavalo vejo. E os vossos corvos, onde estão?”

Uma de suas fases, que os estudiosos consideram de transição do pré-romantismo para o que chamam de neoclacisismo, Goethe escreveu peças de teatro inspiradas nas tragédias gregas e nos clássicos romanos.

 

 

 

 

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