(A) Ética protestante
e o espírito do capitalismo, de
Max Weber
Em 1904, Max Weber publicou o
livro A ética protestante
e o espírito do capitalismo,
que estaria destinado a granjear-lhe
enorme popularidade. O livro
era parte de um amplo estudo
que então realizava sobre
as religiões, a começar
daquelas que emergiram no mais
Antigo Oriente, isto é,
o confucionismo e o taoísmo,
de um lado e, de outro, o hinduísmo
e o budismo, textos editados
em forma de livro apenas postumamente – respectivamente A
religião da China e A
religião da Índia.
Era seu propósito, como
escreve, “esclarecer como
se deu uma civilização
cuja nota dominante consiste
no empenho de aplicar procedimentos
racionais aos mais diversos campos”.
Esta seria, a seu ver, a característica
distintiva do Ocidente. Naquela
pesquisa, partia da constatação
de que “a disposição
dos homens de adotar certos tipos
de conduta racional foi obstruída
em toda parte por forças
mágicas e religiosas”.
A solução do enigma
seria apresentada na obra O
judaísmo antigo.
Na mesma linha de investigação
restava averiguar se de fato
existiria alguma relação
entre o protestantismo e a emergência
do capitalismo. Como registra
no texto dedicado à ética
protestante, tornara-se lugar
comum comparar o comportamento
social de católicos e
protestantes, havendo mesmo na
Alemanha de seu tempo quem supusesse
consistiria a diferença
em que os primeiros fugiram dos
riscos associados à atividade
empresarial, mesmo que isto implicasse
em menor renda, enquanto os protestantes
preferiam o contrário
(usou-se a expressão “alegria
de viver”), aparentemente
confirmando um provérbio
alemão segundo o qual
caberia escolher entre “comer
bem” ou “dormir bem”.
Entendia, entretanto, que tais
análises tangenciavam
o essencial. Este não
se encontraria no protestantismo
tomado em bloco e nem mesmo desde
logo no luteranismo. Correspondeu
a um processo histórico
dilatado de amadurecimento daquilo
que chamou de vocação
ascética, vocação
entendida como aquilo que dá sentido à vida,
como autêntica predestinação.
A esse propósito escreve
na Introdução: “É desnecessário
acumular mais exemplos nessa
exposição puramente
introdutória, pois já esses
poucos servem para mostrar que
o “espírito de trabalho”,
o “progresso”, ou
qualquer outro nome que lhe possa
ser dado, e cujo despertar se
esteja inclinado a atribuir ao
protestantismo, não deve
ser entendido, como alguns pretendem
fazê-lo, como alegria de
viver, ou em qualquer outro sentido
ligado ao Iluminismo. O velho
protestantismo de Lutero, Calvino,
Knox, Voët, quase nada tinha
a ver com o que hoje denominamos
progresso. Opunha-se ele de forma
hostil a setores inteiros da
vida contemporânea, que
não são mais contestados
atualmente nem pelos religiosos
mais extremados. Se se quiser
achar qualquer relação
interna entre certas expressões
do velho espírito protestante
e a moderna cultura capitalista,
deve-se tentar achá-los,
em qualquer hipótese,
não na sua alegria de
viver, considerada mais ou menos
materialista, ou pelo menos anti-ascética,
mas nas suas características
puramente religiosas”.
No Capítulo II, Weber
define o que entende por espírito
do capitalismo. Toma como
referência um texto de
Benjamin Franklin (1706-1790),
um dos fundadores da Independência
Americana e ao mesmo tempo um
homem de ciência e grande
inventor. Nesse texto, Franklin
faz o elogio do dinheiro e da
frugalidade. Depois de comentá-lo
detidamente, extrai esta conclusão:
“De fato, o summum bonum desta “ética”, a
obtenção de mais e mais dinheiro, combinada com o estrito afastamento
de todo gozo espontâneo da vida é, acima de tudo, completamente
destituída de qualquer caráter eudemonista ou mesmo hedonista,
pois é pensando tão puramente como uma finalidade em si, que
chega a parecer algo de superior à “felicidade” ou “utilidade” do
indivíduo, de qualquer forma algo de totalmente transcendental e simplesmente
irracional. O homem é dominado pela produção de dinheiro,
pela aquisição encarada como finalidade última da sua
vida. A aquisição econômica não mais está subordinada
ao homem como meio de satisfazer suas necessidades materiais. Esta inversão
do que poderíamos chamar de relação natural, tão
irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio
orientador do capitalismo, tão seguramente quanto ela é estranha
a todos os povos fora da influência capitalista. Mas, ao mesmo tempo,
ela expressa um tipo de sentimento que está inteiramente ligado a certas
idéias religiosas. Ante a pergunta: por que se deveria “fazer
do dinheiro o ganho dos homens?” o próprio Benjamin Franklin,
embora fosse um deísta pouco entusiasta, responderia em sua autobiografia
com uma citação da Bíblia, com que seu pai, intransigente
calvinista, sempre o assediou em sua juventude: “Se vires um homem diligente
em seu trabalho, ele estará acima dos reis”. Ganhar dinheiro dentro
da ordem econômica moderna é, enquanto for feito legalmente, o
resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação;
e estas virtude e eficiência são, como não é difícil
de se ver agora, os verdadeiros alfa e ômega da ética
de Franklin, tal como é expressa nas passagens que citamos assim como,
sem exceção, em todos seus trabalhos.
No Capítulo III, examina
a maneira como Lutero entende
a vocação, concluindo
que a mantém na forma
tradicional, com o que justifica
seja levado a tomar a Calvino
como ponto de partida. Ali mesmo,
na Segunda Parte, Weber estuda
a ética vocacional do
protestantismo ascético,
cujos representantes mais destacados
seriam: (1) o Calvinismo na forma
que assumiu na sua principal área
de influência na Europa
Ocidental, especialmente no século
XVII; (2) o Pietismo; (3) o Metodismo;
(4) as seitas que se derivaram
do movimento Batista. Esclarece
que “nenhum desses movimentos
foi completamente independente
dos demais, e mesmo a sua distinção
das igrejas não-ascéticas
da Reforma nunca é perfeitamente
clara. O Metodismo, que surgiu
pela primeira vez em meados do
século XVIII, no seio
da Igreja Oficial da Inglaterra,
não pretendia, segundo
o pensamento de seus fundadores,
formar uma nova Igreja, mas apenas
reavivar o espírito ascético
dentro da antiga, e foi só no
curso de seu desenvolvimento
ulterior, principalmente com
seu alastramento pela América,
que se separou da Igreja Anglicana”.
A análise de Weber estará centrada
nos textos de Richard Baxter
(1615-1691), grande figura do
metodismo. Em síntese,
na pregação de
Baxter, a perda de tempo é o
principal de todos os pecados.
Para estar seguro de seu estado
de graça, o homem deve “trabalhar
o dia todo em favor do que lhe
foi destinado”. A riqueza
somente é condenável
pelo perigo de relaxamento. Dando
o passo seguinte dirá expressamente
que está aconselhando
aos verdadeiros crentes a trabalhar
e poupar, numa palavra, a enriquecer,
pois nesse estado, de verdadeira
tentação, poderá assegurar-se
da salvação se
de fato resistir ao ócio
e ao prazer.
Deste modo, Max Weber irá estabelecer
uma relação direta
entre o puritanismo e o capitalismo – e
não entre este e o protestantismo
de um modo geral. A hipótese
foi objeto de diversas investigações
empíricas, comprovando-se,
por exemplo, que os fundadores
da indústria química
inglesa eram calvinistas. De
todos os modos, no livro La
place du désordre. Critique
des théories du changement
social (Paris, Presses Universitaires
de France, 1981), Raymond Boudon
indica que, embora confirmando
que os empreendedores do século
XVI são freqüentemente
calvinistas, as pesquisas evidenciam
que provêm da emigração,
oriundos dos grandes centros
comerciais e bancários
do século XV. Em face
de tais resultados, os estudiosos
inclinam-se por supor que, precedentemente
aderiram à pregação
reformista de Erasmo, o que os
teria obrigado a fugir daquelas
localidades, do mesmo modo como
os judeus expulsos de Portugal
acabaram tornando-se os grandes
banqueiros holandeses, deslocando
para aquele país a alta
finança européia,
precedentemente localizada na
Itália. (Ver também WEBER,
Max).
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