Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A) Ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber

Em 1904, Max Weber publicou o livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, que estaria destinado a granjear-lhe enorme popularidade. O livro era parte de um amplo estudo que então realizava sobre as religiões, a começar daquelas que emergiram no mais Antigo Oriente, isto é, o confucionismo e o taoísmo, de um lado e, de outro, o hinduísmo e o budismo, textos editados em forma de livro apenas postumamente – respectivamente A religião da China e A religião da Índia. Era seu propósito, como escreve, “esclarecer como se deu uma civilização cuja nota dominante consiste no empenho de aplicar procedimentos racionais aos mais diversos campos”. Esta seria, a seu ver, a característica distintiva do Ocidente. Naquela pesquisa, partia da constatação de que “a disposição dos homens de adotar certos tipos de conduta racional foi obstruída em toda parte por forças mágicas e religiosas”. A solução do enigma seria apresentada na obra O judaísmo antigo.

Na mesma linha de investigação restava averiguar se de fato existiria alguma relação entre o protestantismo e a emergência do capitalismo. Como registra no texto dedicado à ética protestante, tornara-se lugar comum comparar o comportamento social de católicos e protestantes, havendo mesmo na Alemanha de seu tempo quem supusesse consistiria a diferença em que os primeiros fugiram dos riscos associados à atividade empresarial, mesmo que isto implicasse em menor renda, enquanto os protestantes preferiam o contrário (usou-se a expressão “alegria de viver”), aparentemente confirmando um provérbio alemão segundo o qual caberia escolher entre “comer bem” ou “dormir bem”. Entendia, entretanto, que tais análises tangenciavam o essencial. Este não se encontraria no protestantismo tomado em bloco e nem mesmo desde logo no luteranismo. Correspondeu a um processo histórico dilatado de amadurecimento daquilo que chamou de vocação ascética, vocação entendida como aquilo que dá sentido à vida, como autêntica predestinação. A esse propósito escreve na Introdução: “É desnecessário acumular mais exemplos nessa exposição puramente introdutória, pois já esses poucos servem para mostrar que o “espírito de trabalho”, o “progresso”, ou qualquer outro nome que lhe possa ser dado, e cujo despertar se esteja inclinado a atribuir ao protestantismo, não deve ser entendido, como alguns pretendem fazê-lo, como alegria de viver, ou em qualquer outro sentido ligado ao Iluminismo. O velho protestantismo de Lutero, Calvino, Knox, Voët, quase nada tinha a ver com o que hoje denominamos progresso. Opunha-se ele de forma hostil a setores inteiros da vida contemporânea, que não são mais contestados atualmente nem pelos religiosos mais extremados. Se se quiser achar qualquer relação interna entre certas expressões do velho espírito protestante e a moderna cultura capitalista, deve-se tentar achá-los, em qualquer hipótese, não na sua alegria de viver, considerada mais ou menos materialista, ou pelo menos anti-ascética, mas nas suas características puramente religiosas”.

No Capítulo II, Weber define o que entende por espírito do capitalismo. Toma como referência um texto de Benjamin Franklin (1706-1790), um dos fundadores da Independência Americana e ao mesmo tempo um homem de ciência e grande inventor. Nesse texto, Franklin faz o elogio do dinheiro e da frugalidade. Depois de comentá-lo detidamente, extrai esta conclusão:

“De fato, o summum bonum desta “ética”, a obtenção de mais e mais dinheiro, combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida é, acima de tudo, completamente destituída de qualquer caráter eudemonista ou mesmo hedonista, pois é pensando tão puramente como uma finalidade em si, que chega a parecer algo de superior à “felicidade” ou “utilidade” do indivíduo, de qualquer forma algo de totalmente transcendental e simplesmente irracional. O homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada como finalidade última da sua vida. A aquisição econômica não mais está subordinada ao homem como meio de satisfazer suas necessidades materiais. Esta inversão do que poderíamos chamar de relação natural, tão irracional de um ponto de vista ingênuo, é evidentemente um princípio orientador do capitalismo, tão seguramente quanto ela é estranha a todos os povos fora da influência capitalista. Mas, ao mesmo tempo, ela expressa um tipo de sentimento que está inteiramente ligado a certas idéias religiosas. Ante a pergunta: por que se deveria “fazer do dinheiro o ganho dos homens?” o próprio Benjamin Franklin, embora fosse um deísta pouco entusiasta, responderia em sua autobiografia com uma citação da Bíblia, com que seu pai, intransigente calvinista, sempre o assediou em sua juventude: “Se vires um homem diligente em seu trabalho, ele estará acima dos reis”. Ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto for feito legalmente, o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação; e estas virtude e eficiência são, como não é difícil de se ver agora, os verdadeiros alfa e ômega da ética de Franklin, tal como é expressa nas passagens que citamos assim como, sem exceção, em todos seus trabalhos.

No Capítulo III, examina a maneira como Lutero entende a vocação, concluindo que a mantém na forma tradicional, com o que justifica seja levado a tomar a Calvino como ponto de partida. Ali mesmo, na Segunda Parte, Weber estuda a ética vocacional do protestantismo ascético, cujos representantes mais destacados seriam: (1) o Calvinismo na forma que assumiu na sua principal área de influência na Europa Ocidental, especialmente no século XVII; (2) o Pietismo; (3) o Metodismo; (4) as seitas que se derivaram do movimento Batista. Esclarece que “nenhum desses movimentos foi completamente independente dos demais, e mesmo a sua distinção das igrejas não-ascéticas da Reforma nunca é perfeitamente clara. O Metodismo, que surgiu pela primeira vez em meados do século XVIII, no seio da Igreja Oficial da Inglaterra, não pretendia, segundo o pensamento de seus fundadores, formar uma nova Igreja, mas apenas reavivar o espírito ascético dentro da antiga, e foi só no curso de seu desenvolvimento ulterior, principalmente com seu alastramento pela América, que se separou da Igreja Anglicana”.

A análise de Weber estará centrada nos textos de Richard Baxter (1615-1691), grande figura do metodismo. Em síntese, na pregação de Baxter, a perda de tempo é o principal de todos os pecados. Para estar seguro de seu estado de graça, o homem deve “trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado”. A riqueza somente é condenável pelo perigo de relaxamento. Dando o passo seguinte dirá expressamente que está aconselhando aos verdadeiros crentes a trabalhar e poupar, numa palavra, a enriquecer, pois nesse estado, de verdadeira tentação, poderá assegurar-se da salvação se de fato resistir ao ócio e ao prazer.

Deste modo, Max Weber irá estabelecer uma relação direta entre o puritanismo e o capitalismo – e não entre este e o protestantismo de um modo geral. A hipótese foi objeto de diversas investigações empíricas, comprovando-se, por exemplo, que os fundadores da indústria química inglesa eram calvinistas. De todos os modos, no livro La place du désordre. Critique des théories du changement social (Paris, Presses Universitaires de France, 1981), Raymond Boudon indica que, embora confirmando que os empreendedores do século XVI são freqüentemente calvinistas, as pesquisas evidenciam que provêm da emigração, oriundos dos grandes centros comerciais e bancários do século XV. Em face de tais resultados, os estudiosos inclinam-se por supor que, precedentemente aderiram à pregação reformista de Erasmo, o que os teria obrigado a fugir daquelas localidades, do mesmo modo como os judeus expulsos de Portugal acabaram tornando-se os grandes banqueiros holandeses, deslocando para aquele país a alta finança européia, precedentemente localizada na Itália. (Ver também WEBER, Max).

 

 

 

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