Ética a Nicômaco, de
Aristóteles
Enquanto na tradição
judaica, incorporada ao Velho
Testamento, a moral é ensinada
como sendo constituída
de preceitos sugeridos diretamente
pela divindade, sendo obrigatórios
para todos, o pensamento grego
está voltado para a delimitação
das esferas da vida humana. Nessa
busca é que iria esbarrar
com o problema. Os gregos chamaram
de ética à elaboração
teórica que se ocupa dos
costumes (moral), denominação
que veio a ser consagrada. Ao
contrário da moral judaica,
na Grécia as regras morais
não eram obrigatórias.
Tratava-se de um aprendizado
difícil, que não
era dado a todos. Para que a
pessoa se tornasse virtuosa eram
requeridos certos pressupostos
(tinha que ter boa saúde
e adequada aparência física;
ser dotada de posses; ter atingido
certa idade e maturidade, sendo
inacessível aos jovens,
etc.). Embora a preocupação
com a vida em sociedade e com
o comportamento humano tenha
uma longa história, Aristóteles é o
autêntico fundador da mencionada
disciplina filosófica.
Chegaram até nós
três tratados de Aristóteles
dedicados à matéria,
respectivamente: Ética
a Eudêmono (nome de
um de seus discípulos); Ética
a Nicômaco (nome de
seu filho) e Grande Ética.
Deve-se ao estudioso Werner Jaeger – no
livro Aristóteles – bases
para a história de seu
desenvolvimento intelectual (1923),
tradução espanhola,
México, 1ª edição,
1946 – haver estabelecido
que o primeiro desses livros
contém uma exposição
dos pontos de vista de Platão.
Na Ética a Nicômaco é que
estaria a sua versão.
E, finalmente, a Grande Ética corresponde
a uma mistura dos dois livros
anteriores.
Para Aristóteles, a ética é uma
das ciências práticas,
isto é, relacionadas à ação,
sendo as demais a política e
a econômica. Nessa
subdivisão a ética
aparece com o nome de sabedoria.
No Livro I da Ética
a Nicômaco dá proeminência à política
que está definida, nos
textos que dedicou à matéria
e foram preservados (Política)
- deste modo: “Uma cidade,
claro está, não é um
simples amontoado para evitar
as deficiências mútuas
e intercambiar os serviços.
Estas são duas de suas
condições necessárias,
mas que não determinam
a cidade. Uma cidade é uma
reunião de casas e de
famílias para viver bem,
isto é, para realizar
uma vida perfeita e independente”.
Quer dizer, Aristóteles
não separa a política
da moral como se dá nos
tempos modernos. Política
e ética estão de
certa forma superpostas, confundindo-se
os objetos de ambas porquanto
a segunda trata das virtudes
e dos meios de adquiri-las, sendo
condição da felicidade,
que, por sua vez, é o
objetivo visado pela cidade.
Na Ética a Nicômaco (Livro
VI) afirma a existência
de virtudes intelectuais: arte,
ciência, sabedoria, filosofia
e inteligência. Da sabedoria
diz não ser nem arte nem
ciência, cumprindo-lhe
dirigir a ação
moral.
Quanto às virtudes morais,
Aristóteles apresenta
no capítulo 7 do Livro
II uma tábua das virtudes
e dos vícios. Essa tábua é precedida
dos seguintes elementos: - Justificação
da tese de que a virtude se adquire
pelo hábito (Capítulo
1). Parte da tese geral
de que agir segundo a regra é insuficiente,
cabendo ainda averiguar qual
a regra correta. Apresenta as
seguintes: 1ª - Realizar
ações comedidas
(primeira noção
de justo meio); 2ª - Produzir
ações idênticas à virtude
(Capítulo 2); É pelo
prazer ou pela dor causada pelos
atos que se avalia o homem virtuoso.
Daí conclui a 3ª regra: “É necessário
aprender a experimentar a dor
ou o prazer” (Capítulo
3); - Examina uma questão
de lógica (se há círculo
vicioso no dizer-se que é necessário
praticar atos da virtude para
tornar-se virtuoso) (Capítulo
4); - estabelece a distinção
entre paixões, faculdades
e estados habituais (Capítulo
5); e apresenta a noção
de justo meio (Capítulo
6).
Aristóteles define a virtude
do seguinte modo: “A virtude é o
justo meio em relação
a dois vícios, um por
excesso, o outro por falta”.
Antes de defini-la havia afirmado,
entre outras coisas, o seguinte: “Por
exemplo, temer, ter confiança,
desejar, encolerizar-se, sentir
piedade, e, em geral, experimentar
o desejo ou a pena, tudo isto é susceptível
de muito como de pouco e, nos
dois casos, falta-se à perfeição.
Ao contrário, experimentar
as paixões no momento
adequado, por um motivo conveniente,
em relação ao que é justo,
para obter o resultado que se
deve, e do modo que se deve,
eis o que é ao mesmo tempo
meio e excelência, e a
excelência é justamente
a marca da virtude”.
As virtudes são a coragem,
a temperança, a liberalidade,
a magnificência, o justo
orgulho (magnanimité),
a calma, a veracidade, a espirituosidade,
a amabilidade, a modéstia
e a justa indignação.
Para cada uma dessas virtudes
há um excesso e uma falta.
A falta de coragem equivale à covardia
e, o seu excesso, à temeridade.
E assim por diante.
É a seguinte a tábua considerada:
TÁBUA
DAS VIRTUDES E DOS VÍCIOS |
Falta
ou privação
(Deficiência) |
Justo |
Excesso |
Domínio |
Covardia |
Coragem |
Temeridade |
Sentimentos
de medo e confiança |
Insensibilidade |
Temperança |
Intemperança |
Prazeres
e Dores |
Avareza |
Liberalidade |
Prodigalidade |
Dinheiro
e bens materiais |
Mesquinharia |
Magnificência |
Vulgaridade
(ostentação) |
|
Humildade
indébita
(pulsilanimité) |
Justo
orgulho
(magnanimité) |
Vaidade
oca
(vanité) |
Honra |
Pacatez |
Calma |
Irascibilidade |
Cólera |
Falsa
Modéstia |
Veracidade |
Jactância |
Relações
com o outro |
Rusticidade |
Espirituosidade |
Chocarrice
(chalaça grosseira) |
|
Mau
humor |
Amabilidade |
Obsequiosidade |
|
Vergonha |
Modéstia |
Despudor |
Paixões |
Desrespeito |
Justa
indignação |
Inveja |
|
Entre as virtudes morais, Aristóteles
atribui ênfase especial à Justiça,
que estuda no Livro V. Tomada
em seu aspecto geral, diz que
a Justiça é a própria
virtude, ou, mais precisamente, é a
virtude mais completa. Por isto
mesmo transcende a tábua
antes transcrita.
Na visão de Aristóteles,
a Justiça é uma
disposição de caráter
e o justo é o respeitador
da lei e o probo.
Considerada de modo particular,
distingue justiça
distributiva (que toma ao
problema do ângulo moral)
e a justiça comutativa (que
leva em conta situações
concretas).
“A justiça, no sentido em que a temos definido – escreve
Aristóteles – não é uma parte da virtude, mas a
virtude em sua inteireza. Do mesmo modo, a injustiça, que se lhe opõe,
não é uma parte do vício mas o vício em sua inteireza.
Em que se distinguem a virtude e a justiça assim compreendidas? Salta
aos olhos em decorrência do que dissemos: elas são concretamente
idênticas, mas sua essência não é a mesma. Se se
considera o fato de que há uma relação com o outro, há justiça;
se se considera determinado estado do caráter, pura e simplesmente há virtude”.
Neste livro, Aristóteles
estuda ainda a equidade de que
diz ser um corretivo em relação à lei,
na medida em que sua universidade
torna-a incompleta e pode dar
lugar à injustiça.
(Ver também ARISTÓTELES).
Voltar