Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Ética a Nicômaco, de Aristóteles

Enquanto na tradição judaica, incorporada ao Velho Testamento, a moral é ensinada como sendo constituída de preceitos sugeridos diretamente pela divindade, sendo obrigatórios para todos, o pensamento grego está voltado para a delimitação das esferas da vida humana. Nessa busca é que iria esbarrar com o problema. Os gregos chamaram de ética à elaboração teórica que se ocupa dos costumes (moral), denominação que veio a ser consagrada. Ao contrário da moral judaica, na Grécia as regras morais não eram obrigatórias. Tratava-se de um aprendizado difícil, que não era dado a todos. Para que a pessoa se tornasse virtuosa eram requeridos certos pressupostos (tinha que ter boa saúde e adequada aparência física; ser dotada de posses; ter atingido certa idade e maturidade, sendo inacessível aos jovens, etc.). Embora a preocupação com a vida em sociedade e com o comportamento humano tenha uma longa história, Aristóteles é o autêntico fundador da mencionada disciplina filosófica.

Chegaram até nós três tratados de Aristóteles dedicados à matéria, respectivamente: Ética a Eudêmono (nome de um de seus discípulos); Ética a Nicômaco (nome de seu filho) e Grande Ética. Deve-se ao estudioso Werner Jaeger – no livro Aristóteles – bases para a história de seu desenvolvimento intelectual (1923), tradução espanhola, México, 1ª edição, 1946 – haver estabelecido que o primeiro desses livros contém uma exposição dos pontos de vista de Platão. Na Ética a Nicômaco é que estaria a sua versão. E, finalmente, a Grande Ética corresponde a uma mistura dos dois livros anteriores.

Para Aristóteles, a ética é uma das ciências práticas, isto é, relacionadas à ação, sendo as demais a política e a econômica. Nessa subdivisão a ética aparece com o nome de sabedoria. No Livro I da Ética a Nicômaco dá proeminência à política que está definida, nos textos que dedicou à matéria e foram preservados (Política) - deste modo: “Uma cidade, claro está, não é um simples amontoado para evitar as deficiências mútuas e intercambiar os serviços. Estas são duas de suas condições necessárias, mas que não determinam a cidade. Uma cidade é uma reunião de casas e de famílias para viver bem, isto é, para realizar uma vida perfeita e independente”. Quer dizer, Aristóteles não separa a política da moral como se dá nos tempos modernos. Política e ética estão de certa forma superpostas, confundindo-se os objetos de ambas porquanto a segunda trata das virtudes e dos meios de adquiri-las, sendo condição da felicidade, que, por sua vez, é o objetivo visado pela cidade.

Na Ética a Nicômaco (Livro VI) afirma a existência de virtudes intelectuais: arte, ciência, sabedoria, filosofia e inteligência. Da sabedoria diz não ser nem arte nem ciência, cumprindo-lhe dirigir a ação moral.

Quanto às virtudes morais, Aristóteles apresenta no capítulo 7 do Livro II uma tábua das virtudes e dos vícios. Essa tábua é precedida dos seguintes elementos: - Justificação da tese de que a virtude se adquire pelo hábito (Capítulo 1).  Parte da tese geral de que agir segundo a regra é insuficiente, cabendo ainda averiguar qual a regra correta. Apresenta as seguintes: 1ª - Realizar ações comedidas (primeira noção de justo meio); 2ª - Produzir ações idênticas à virtude (Capítulo 2); É pelo prazer ou pela dor causada pelos atos que se avalia o homem virtuoso. Daí conclui a 3ª regra: “É necessário aprender a experimentar a dor ou o prazer” (Capítulo 3); - Examina uma questão de lógica (se há círculo vicioso no dizer-se que é necessário praticar atos da virtude para tornar-se virtuoso) (Capítulo 4); - estabelece a distinção entre paixões, faculdades e estados habituais (Capítulo 5); e  apresenta a noção de justo meio (Capítulo 6).

Aristóteles define a virtude do seguinte modo: “A virtude é o justo meio em relação a dois vícios, um por excesso, o outro por falta”. Antes de defini-la havia afirmado, entre outras coisas, o seguinte: “Por exemplo, temer, ter confiança, desejar, encolerizar-se, sentir piedade, e, em geral, experimentar o desejo ou a pena, tudo isto é susceptível de muito como de pouco e, nos dois casos, falta-se à perfeição. Ao contrário, experimentar as paixões no momento adequado, por um motivo conveniente, em relação ao que é justo, para obter o resultado que se deve, e do modo que se deve, eis o que é ao mesmo tempo meio e excelência, e a excelência é justamente a marca da virtude”.

As virtudes são a coragem, a temperança, a liberalidade, a magnificência, o justo orgulho (magnanimité), a calma, a veracidade, a espirituosidade, a amabilidade, a modéstia e a justa indignação.

Para cada uma dessas virtudes há um excesso e uma falta. A falta de coragem equivale à covardia e, o seu excesso, à temeridade. E assim por diante.
É a seguinte a tábua considerada:

TÁBUA DAS VIRTUDES E DOS VÍCIOS

Falta ou privação

(Deficiência)

Justo

Excesso

Domínio

Covardia

Coragem

Temeridade

Sentimentos de medo e confiança

Insensibilidade

Temperança

Intemperança

Prazeres e Dores

Avareza

Liberalidade

Prodigalidade

Dinheiro e bens materiais

Mesquinharia

Magnificência

Vulgaridade
(ostentação)

 

Humildade indébita

(pulsilanimité)

Justo orgulho

(magnanimité)

Vaidade oca

(vanité)

Honra

Pacatez

Calma

Irascibilidade

Cólera

Falsa Modéstia

Veracidade

Jactância

Relações com o outro

Rusticidade

Espirituosidade

Chocarrice

(chalaça grosseira)

Mau humor

Amabilidade

Obsequiosidade

 

Vergonha

Modéstia

Despudor

Paixões

Desrespeito

Justa indignação

Inveja

 

Entre as virtudes morais, Aristóteles atribui ênfase especial à Justiça, que estuda no Livro V. Tomada em seu aspecto geral, diz que a Justiça é a própria virtude, ou, mais precisamente, é a virtude mais completa. Por isto mesmo transcende a tábua antes transcrita.

Na visão de Aristóteles, a Justiça é uma disposição de caráter e o justo é o respeitador da lei e o probo.

Considerada de modo particular, distingue justiça distributiva (que toma ao problema do ângulo moral) e a justiça comutativa (que leva em conta situações concretas).

“A justiça, no sentido em que a temos definido – escreve Aristóteles – não é uma parte da virtude, mas a virtude em sua inteireza. Do mesmo modo, a injustiça, que se lhe opõe, não é uma parte do vício mas o vício em sua inteireza. Em que se distinguem a virtude e a justiça assim compreendidas? Salta aos olhos em decorrência do que dissemos: elas são concretamente idênticas, mas sua essência não é a mesma. Se se considera o fato de que há uma relação com o outro, há justiça; se se considera determinado estado do caráter, pura e simplesmente há virtude”.

Neste livro, Aristóteles estuda ainda a equidade de que diz ser um corretivo em relação à lei, na medida em que sua universidade torna-a incompleta e pode dar lugar à injustiça. (Ver também ARISTÓTELES).

 

 

 

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