Estudos
políticos,
de Raymond Aron
Estudos políticos (1971),
de Raymond Aron, reúne
um conjunto de ensaios agrupados
em três partes. A primeira,
denominada de “Idéias”,
contém textos teóricos
que resumem o seu entendimento
da diferença entre ciência
natural (neutra a valores)
e ciência social, que
se constitui em presença
de valores. Para explicitar
em que consiste precisamente
sua posição,
confronta-a a Maquiavel, Marx,
Pareto e Max Weber. Seu entendimento
da política corresponde
ao aprofundamento da visão
de Weber, ponto de referência
privilegiado de sua filosofia
da história. As duas
partes seguintes correspondem
a uma espécie de aplicação
da teoria à ação
política no interior
do Estado (2ª parte) e às
relações entre
os Estados (3ª parte).
Max Weber estabelecera que na
análise dos temas relacionados à cultura
(ciências sociais), o pesquisador
escolhe arbitrariamente os fatos
e somente a partir daí pode
aspirar à obtenção
de conclusões de validade
universal. Deter-se na discussão
acerca da escolha inicial somente
levaria a confronto de avaliações,
explicitando as preferências
de cada um, matéria na
qual não pode haver postura
científica (idêntica
para todos). Aron aceita a premissa
mas quer dar o passo seguinte
no tocante à responsabilidade
do intelectual quanto às
conseqüências de seu
posicionamento.
É preciso ter presente que nos cerca de quarenta anos transcorridos
desde o início do pós-guerra (1945) até o seu falecimento
(1983), Aron presenciou o avanço da ameaça soviética diante
do aplauso da grande maioria da intelectualidade francesa. Aquele aplauso se
dava em nome da “cientificidade do marxismo”. A primeira questão
consistia, pois, em examinar se de fato, essa pretensa cientificidade sairia
incólume de análise rigorosa. Nos estudos que realizou, sobre
as características da sociedade industrial, conseguiu evidenciar a impropriedade
de um confronto entre socialismo e capitalismo, atribuindo relevância
ao confronto político.
No ensaio introdutório à coletânea
(“Ciência e consciência
da sociedade”) escreve
o seguinte: “Na medida
em que um partido apresenta sua
ideologia como verdade científica
(o marxismo, por exemplo), a
sociologia deve submeter tal
ideologia à crítica,
e o sociólogo deve aceitar
com indiferença a acusação
de que “está fazendo
política”. As proposições
principais do marxismo (relações
de forças e de produção,
mais valia, exploração
e lucro, pauperização,
regime econômico e classes
sociais, alienação
econômica e outras formas
de alienação etc.)
dizem respeito a fatos, relações,
tendências evolutivas.
São verdadeiras ou falsas,
prováveis ou improváveis,
provadas ou não; se o
sociólogo nem sempre consegue
demonstrá-las ou refutá-las
rigorosamente, isso é porque
elas estão expostas em
termos tão equívocos
que terminam por se esvaziarem
de qualquer sentido, por não
terem o mínimo de precisão
indispensável. O exame
e a crítica das proposições
de fato incluídas em todas
as ideologias não podem
deixar de ser objeto de atenção
da sociologia, por isso a sociologia
não pode evitar uma tomada
de posição em favor
dos programas e das interpretações
dos partidos, ou contra eles”.
Ao dizer que o intelectual não
pode ignorar as conseqüências
de seu posicionamento, Aron não
pretende advogar a impossibilidade
da ciência social. Entre
outras coisas escreve num dos
ensaios presentes à coletânea: “A
despeito do engajamento, que
simboliza a escolha das questões
ou dos centros de interesse,
o historiador e o sociólogo
desejam chegar a uma verdade
rigorosamente objetiva, parcial
mas universalmente válida”.
A impossibilidade reside no que
se poderia denominar de “política
científica”, isto é,
de uma política que se
pretendesse universal, capaz
de resolver o inelutável
conflito social em favor de uma
das partes. A análise
da política sempre pode
chegar a conclusões válidas.
O problema de sua aplicação,
no regime democrático, é que
envolve a negociação
e a barganha, escapando a qualquer
tipo de pretensão científica.
No que se refere às relações
no interior do Estado ou entre
Estados, Aron aceita a premissa
weberiana de que a política
corresponde à esfera da
vida social em que tem lugar
a violência legalizada.
A diferença, quando se
trata das relações
internacionais, consiste na inexistência
de um poder aceito por todos,
capaz de regular os conflitos
entre Estados. Num dos ensaios,
escrito na década de sessenta,
escreve que aquelas relações
acham-se ditadas pela capacidade
dos Estados Unidos e da União
Soviética de se apresentarem
como potências,
a ponto de que ambos acabam tendo
que tolerar vizinhos incômodos,
como se dá em relação
ao primeiro no caso de Cubas
e, ao segundo, em relação à Albânia.
Levando em conta que Aron faleceu
antes do fim da União
Soviética, cabe a ressalva
de que, na ausência do “anjo
protetor”, no Ocidente,
uma potência isolada, mesmo
tão poderosa como os Estados
Unidos, não tem condições
de eliminar o incômodo,
para nos atermos ao mesmo exemplo
(Cuba).
Aron era pessimista quanto à capacidade
da Europa Ocidental de resistir
aos avanços do Império
Soviético, diante do espírito
capitulacionista vigente em seu
próprio país, a
ponto de usar, no título
de um de seus últimos
livros, a expressão “Europa
decadente”. Esse estado
de espírito explica o
tom amargo desta conclusão
da referida análise da
ação política: “Os
dados fundamentais não
se alteram. O que há de
novo é a potência
destrutiva das armas, a potência
material à disposição
dos que detêm o poder.
O que não é novo é o
medo que o homem do poder inspira
aos demais, quando estes imaginam
as conseqüências que
podem ter suas decisões.
Como dissipar esse medo senão
pela recusa de atribuir a uma
só pessoa o direito e
a capacidade de tomar decisões
cujas conseqüências
afetariam milhões de indivíduos?
Assim têm raciocinado os
filósofos e os juristas,
elaborando a doutrina da separação
dos poderes. Quando os sociólogos
constatam a dispersão
da potência social, eles
se alegram, pois o temor do homem é espontâneo
no próprio homem”.
(Ver também ARON e (O) Ópio
dos intelectuais).
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