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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
(O) Espírito
das leis, de Montesquieu
Charles Louis de Secondat tornou-se
conhecido pelo título
de nobreza (Barão de Montesquieu).
Nasceu no castelo da família,
nas proximidades de Bordeaux,
França, em 1689, educou-se
na Ordem dos Oratórios
e participou da administração
local, seguindo a tradição
da família. Mas acabou
dedicando-se exclusivamente às
atividades intelectuais, como
membro da Academia Francesa.
Publicou Cartas Persas (1721) – romance
filosófico em que tem
lugar uma correspondência
imaginária de cidadãos
persas, chegados à Europa,
como pretexto para satirizar
a sociedade francesa – e
a obra histórica Considerações
sobre a grandeza dos romanos
e sua decadência (1734).
Contudo, sua fama provém
de O espírito das
leis, publicado em 1748.
Faleceu em Paris em 1755, aos
66 anos de idade.
O grande sucesso alcançado
pelo livro O espírito
das leis deve-se ao fato
de que Montesquieu, em caráter
pioneiro, apresenta a estrutura
de funcionamento do sistema representativo
que, na altura (primeira metade
do século XVIII), somente
existia na Inglaterra. Conforme
será detalhado adiante,
Montesquieu distingue três
formas de governo: republicano,
monárquico e despótico.
Como a seu ver a natureza do
governo depende de diversas circunstâncias – condições
naturais (clima e solo) e formas
de organização
dos diversos aspectos da vida
social – reuniu as informações
disponíveis acerca dos
diversos povos e procurou correlacionar
aquele conjunto de condições à forma
de governo existente. Os países
de clima quente estariam predispostos
aos governos despóticos – e
assim por diante. No tocante
ao sistema monárquico – praticamente
circunscrito à Europa,
segundo entende –, pesquisou
a legislação vigente,
a organização econômica
e as estruturas políticas,
não só da França
e do continente, mas também
da Inglaterra, onde permaneceu
durante dois anos. Tratando dessa
viagem refere Gonzague Truc (introdutor
da obra): “Tal como outros
viajantes antes dele – Voltaire,
por exemplo – ficou surpreendido
e depois seduzido. Surpreendia-se
que nessa nação
se pudesse criticar livremente
o governo e que este subsistisse.
Comprazia-se pelo fato de não
haver Bastilha. Todavia, não
deixou de observar e de notar
os excessos a que pode levar
a luta entre partidos... e
entre homens. Mas a impressão
de conjunto foi tão favorável
quanto profunda e podemos ver
a que ponto O Espírito
das leis sofreu sua influência.
Foi recebido da maneira mais
lisonjeira. Tornou-se membro
da Academia Real de Londres,
travou conhecimento com Walpole,
Swift, Pope.(1) Encantava-se
com o que via e com o que os
novos costumes políticos
permitiam-no descobrir”.
Com o desdobramento da situação
na França e a eclosão
da Revolução, a
busca de uma denominação
para o novo regime, em sua fase
inicial, e a aceitação
do nome de monarquia constitucional,
sugerida por Mirabeau(1) – verifica-se
um grande interesse pela literatura
política, notadamente
aquela que referia o sistema
inglês, como era o caso
de O espírito das
leis, em que pese a circunstância
de que o tema ache-se verdadeiramente
perdido na vastidão dos
assuntos que considerou.
O Espírito das Leis está subdividido em 31 livros (o
texto integral tem pouco mais de 700 páginas), sendo esses livros de
dimensões desiguais. Aquele que se detém no regime da Inglaterra
(Décimo Primeiro) tem apenas 25 páginas, sendo a caracterização
da Constituição inglesa bastante sumária. O mérito
dessa exposição é que define como sendo central a existência
de três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (na época
ainda não tinha essa denominação). Não só o
caracterizaria tomando por base a Inglaterra, como o compara a outras situações.
Escreve: “As monarquias que conhecemos não têm, como aquela
a que acabamos de os referir, a liberdade como seu objetivo direto; buscam
somente a glória dos cidadãos, do Estado e do príncipe.
Mas desta glória resulta um espírito de liberdade que, nesses
Estados, pode também construir grandes coisas e talvez contribuir tanto
para a felicidade como a própria liberdade”. Os antigos, acrescenta, “que
não conheciam a divisão dos três poderes no governo de
um só, não podiam ter uma idéia correta da monarquia”.
Em Roma houve fase em que havia dois daqueles poderes e até mesmo algo
de assemelhado ao terceiro poder (magistratura) mas não se tratava de
regime monárquico. Conclui deste modo: “Desejaria verificar, em
todos os governos moderados que conhecemos, qual é a distribuição
dos três poderes e daí calcular os graus de liberdade que cada
um pode fruir. Mas nem sempre deve-se esgotar a ponto de nada deixar a cargo
do leitor. Não se trata de fazer ler, mas de fazer pensar”.
Em que pese a impressão
de dispersão que suscita
a obra fundamental de Montesquieu,
está dedicada basicamente à caracterização
da monarquia. O sistema que chama
de republicano seria a democracia
na forma como a entenderam os
antigos. O despotismo refere-se
aos povos retardatários.
Deste modo, estes dois sistemas
seriam sobretudo pontos de referência
para o escopo do livro. Vê-se
isto claramente no estabelecimento
do princípio (traço
essencial). A democracia tem
por princípio a virtude.
Numa monarquia, onde quem manda
executar a lei se julga acima
dela, requer-se menos virtude.
Deste modo, não tendo à virtude
como mola propulsora, a monarquia
requer algo que lhe seja próximo,
apto a distingui-la do despotismo.
Encontra-a na honra.
Esta, como escreve, “sendo
o preconceito de cada pessoa
e de cada condição,
ocupa o lugar da virtude política...
pode ela inspirar as mais belas
ações; pode ligada à força
das leis, levar o governo aos
seus objetivos, como a própria
virtude”. O contraste com
o governo despótico está estabelecido
ao dizer que o seu princípio é o
medo. “... num governo
despótico, a virtude é totalmente
desnecessária e, a honra,
perigosa”.
Explica deste modo o fato de
que haja abordado tão
grande soma de assuntos: “A
lei, em geral, dizemos, é a
razão humana, na medida
que governa todos os povos da
terra, e as leis políticas
e civis de cada nação
devem ser apenas os casos particulares
em que se aplica essa razão
humana. Elas serão portanto “relativas” à geografia
do país, a seu clima, à raça,
aos costumes, às crenças, às “inclinações”,
aos recursos dos habitantes.
Elas possuem, enfim, relações
entre si quanto à sua
origem e quanto ao seu destino. É preciso
considerá-las em todos
esses aspectos. É isso
que pretendo realizar nessa obra.
Examinarei todas essas relações;
formam elas, no seu conjunto,
o que chamamos de espírito
das leis”.
(1) Horace
Walpole (1717-1797) era homem
de letras mas também
político, tendo pertencido à Câmara
dos Representantes. Alexander
Pope (1688-1744) chegou a
ser classificado como um
dos grandes poetas da Inglaterra
de seu tempo, embora fosse
católico. Seu poema
filosófico Ensaio
sobre o homem foi traduzido
ao português na época
em que a corte se achava
no Brasil e veio a merecer
grande acolhida. Jonathan
Swift (1677-1745) está considerado
neste Dicionário.
(1) Henri
Riqueti, conde de Mirabeau
(1749-1791), tendo sido eleito
representante do Terceiro
Estado, embora nobre, para
integrar a Assembléia,
em 1789, participou daquela
fase inicial do movimento
de que resultou o fim da
monarquia e o longo período
de anarquia que se abateu
sobre a França, tendo
chegado a presidente da Assembléia.
Atuou, sem sucesso, no sentido
de convencer o rei a renunciar
aos seus poderes absolutos
e aceitar o regime constitucional.
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