Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Ensaio sobre neutralidade axiológica, de Max Weber

O Ensaio sobre neutralidade axiológica nas ciências sociológicas e econômicas teve uma primeira versão que Max Weber apresentou para discussão na Associação de Política Social, de Berlim, em 1913, refundido-a mais tarde e divulgando-a em 1917. Esse texto tornou-se uma referência fundamental no processo de formalização da sociologia e determinação de seu objeto.

O termo axiologia (do grego axiologos, digno de ser dito) começou a ser empregado no começo do século para designar o estudo dos valores que então se estruturava, no ciclo inicial abrangendo apenas os valores morais e, subseqüentemente, os demais. Weber o emprega no sentido amplo.

O propósito principal de Weber consiste em estabelecer uma nítida distinção entre o registro dos fatos e as avaliações valorativas. As ciências sociais lidam com fatos acerca dos quais determinadas épocas os apreciaram de modo diferente (a escravidão, por exemplo) e em relação aos quais posicionam-se os próprios homens de ciência. A distinção parece-lhe fundamental a fim de fazer progredir a investigação. Insiste em que os sociólogos dificilmente chegarão a um acordo quanto à maneira de avaliar este ou aquele fato. Contudo, proposta e aceita a escolha saberão como estudá-lo de modo sistemático e de forma que suas conclusões possam ser aceitas ou refutadas considerado apenas o método empregado na análise. Assim, o procedimento científico recomendado para as ciências sociais é o que denominou de neutralidade axiológica.

No texto, Weber discute vários temas correlatos. O que então apaixonava o professorado era a questão da liberdade de cátedra, que poderia ser usada para proselitismo político. Nesse particular, Weber irá demonstrar que não há, em matéria política e de convivência social, um ponto de vista privilegiado que pudesse justificar a superioridade do professor, razão pela qual seria uma imoralidade valer-se de sua posição para tentar influenciar os alunos. No que se refere à ética, abordará a proposta kantiana, formulada na Fundamentação da metafísica dos costumes, com o propósito de preservar o seu núcleo fundamental mas desenvolvê-la a fim de substituir o homem universal abstrato, que Kant tem em vista, pela pessoa humana situada numa época e num espaço territorial. Mais tarde na obra A política como vocação a batizará como ética de responsabilidade.

A intelectualidade alemã de seu tempo discutia também com grande intensidade a questão teórica geral das ciências sociais, havendo nitidamente uma disputa entre os que entendiam devessem adotar procedimentos idênticos aos empregados nas ciências naturais, centrados na medida e na quantificação, e os que propugnavam pela busca de sua especificidade. Nesse contexto é que surge a idéia de que, além de objetos naturais, estudados pela física, pela química e pela biologia, existe o que se denominou de objetos referidos a valores, isto é, os que compunham o mundo da cultura. Levando em conta essa circunstância – e as que referimos anteriormente –, compreende-se a abrangência dos temas considerados no Ensaio. De todos os modos passou à história como marco na constituição da sociologia, o que pode ser visualizado a partir da discrição esquemática adiante inserida.

Os grandes tratadistas costumam classificar a sociologia como tendo experimentado um ciclo inicial de natureza sintética, substituído posteriormente por uma visão analítica.  No primeiro caso, teria o propósito de abranger a totalidade dos fenômenos sociais. Nessa fase, Augusto Comte (1798-1857) distingue-se de Herbert Spencer (1820-1903) pelo fato de que o fundador do positivismo imaginava, ao empregar o termo sociologia, estar falando de ciência capaz de dominar os fenômenos sociais em proveito do homem, criando uma espécie de sociedade racional; enquanto o filósofo inglês, aceitando o termo comteano modificou-lhe o sentido ao separá-la da ética, circunscrevendo os seus limites à tarefa puramente descritiva da sociedade, mas ainda tomada como um todo. Estava dado um passo essencial no sentido de colocar esse tipo de investigação em bases científicas, direção na qual marchou a chamada visão analítica, complementando-o pela delimitação estrita do campo a ser pesquisado. Interessa-se por aspectos particulares dos fenômenos sociais e evita as grandes generalizações ou, pelo menos, deixa-as na dependência dos resultados concretos da consideração de aspectos limitados. Émile Durkheim (1858-1917) seria o iniciador desse novo ciclo, notadamente na obra Regles de la méthode sociologique (1895).

Essa perspectiva analítica esbarrou com a questão da presença dos valores, de modo inarredável, na ação humana, o que parecia conduzir ao conflito inevitável das avaliações. Max Weber solucionou a controvérsia ao mostrar que a pesquisa empírica pode ater-se a parâmetros rigorosamente científicos, desde que se admita a possibilidade de múltiplas valorações, dando origem a diversidade de avaliações. Na fase da pesquisa, os estudiosos podem colocar-se de acordo; ao tempo em que as avaliações extrapolam o plano científico, razão pela qual devem ser evitadas se se deseja ater-se ao mencionado plano. A isto, como indicamos, Weber denominou de neutralidade axiológica. Assim, o processo de constituição da sociologia como ciência abrange grande parte da segunda metade do século XIX e as duas primeiras décadas deste século, coroando-se com o Ensaio ora considerado. (Ver também WEBER, Max).

 

 

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