(A)Divina
Comédia,
de Dante Alighieri
A Divina
Comédia constitui
um poema épico, rigorosamente
simétrico, difícil
de ser traduzido de idêntica
forma. Por isto, é comum
que o façam em prosa.
Não se considera que
as traduções
portuguesas em verso tenham
sido bem sucedidas. Parecem, às
pessoas familiarizadas com
o tema, textos herméticos,
de difícil entendimento.
A tradução brasileira
melhor acolhida, devida ao
escritor Hernani Donato, em
prosa, consegue transmitir
toda a beleza da concepção
do autor. Ainda que a intenção
de Dante tenha sido ir ao encontro
do espírito da época – quando
a salvação da
alma achava-se no centro da
pregação religiosa
--, trata-se de um texto literário
para ler não só lido
prazeirosamente como amplamente
difundido. A tradução
de Hernani Donato atende plenamente
a tais exigências.
O
livro subdivide-se em três partes, contando cada uma com 33 cantos, havendo,
na primeira, um canto introdutório em que apresenta a circunstância
em que se encontra (“tendo perdido o caminho verdadeiro, achei-me embrenhado
em selva tenebrosa”) e irá esbarrar com o guia que lhe fora enviado
pela grande paixão (Beatriz). Trata-se, nada mais nada menos, de
Virgílio, como diz, “final e luz dos demais poetas, valha-me agora
o muito tempo em que com grande afeto em teus versos me abeberei”.
A
primeira parte descreve o Inferno, subdividido em nove círculos. No
primeiro círculo Dante coloca os não batizados, a começar
do Velho Testamento (possante guerreiro libertou das sombras “a alma
de nosso primeiro pai, e a de Abel, de Noé, a de Moisés que por
Ele legislara e a Ele obedecera, a do patriarca Abraão...” (IV.51),
passando pela Grécia (não apenas os grandes filósofos
como Platão e Aristóteles, mas Homero e seus personagens bem
como os homens de ciência da época como Hipocrates e Galeno)
para findar em Roma, com esta advertência: “Relação
de todos quanto vi não posso aqui deixar, pois bem longa seria e a ser
sucinto continuamente me obrigo”.
O Inferno propriamente dito,
isto é, onde se encontram
os pecadores, caracteriza-se
pelos “prantos, lamentos,
gritos de dor” e a cada
grupo de pecadores acha-se destinado
um círculo, segundo sejam
sensuais, gulosos, avarentos,
hereges, hajam pecado pela violência,
sedutores, aduladores, ladrões
e até os traidores (da
família, da pátria,
dos amigos ou dos benfeitores).
No ponto mais baixo do Inferno,
que é também o
centro da terra, encontra-se
Satanás, uma figura tremenda,
dotado de três faces e
três bocas. É interessante
que Dante haja colocado num mesmo
círculo, para que se apoquentem
uns aos outros, os avarentos
e os pródigos.E, também,
que em cada uma das bocas de
Satanás, devorando-os,
encontrem-se Judas, o grande
traidor de Cristo, e a
seguir Cássio e Bruto,
traidores e assassinos de Júlio
César, morto em 44 a.
C., (nomeado Cônsul em
59 a. C., tendo assumido o ônus
de pôr fim à República,
marca o seu consulado a transição
para o Império). Graças à que
se tenha passado a ter acesso à obra
dos autores clássicos (o
que, aliás, explica o
encantamento por Virgílio)
e à história da
Roma Antiga, essa escolha sugere
que Júlio César
se haja tornado ancestral respeitado
e festejado.
Entre o Inferno, lugar dos condenados
sem apelação, e
o Paraíso, para onde se
destinam os salvos para a vida
eterna, Dante concebe um sítio
intermediário, o Purgatório.
A permanência ali destina-se à cura
da propensão ao pecado.
Estariam propensos a cometê-lo
os soberbos; os invejosos, os
coléricos, os preguiçosos
e também certa classe
de avarentos e pródigos.
Nessa parte do poema, Dante revela
extraordinária erudição
histórica, que o torna
apto a avaliar, com prudência,
que personagens da história
pátria --e mesmo da história
da Igreja--, iria colocar no
Purgatório.
O Purgatório situa-se
numa ilha oceânica, inteiramente
separado do Inferno. Nessa ilha
existe um planalto onde se inicia
o Paraíso. Este subdivide-se
em dez círculos. O primeiro
deles é alcançado, a
partir da Terra, no local em
que, no Céu, encontrar-se-iam
a Lua e os planetas. Aqui Dante
segue o entendimento vigente
da harmonia celestial, baseado
na teoria geocêntrica de
Ptolomeu: a Terra estaria imóvel,
no Centro, tendo nove planetas
a girar em seu derredor. O último
círculo denomina-se Empíreo.
A divisão pretende refletir
os graus existentes na prática
do Bem. Há os que o realizam
para usufruir de glórias
mundanas. Aos doutores da Igreja
está destinado um círculo
autônomo do mesmo modo
que aos santos. No décimo
círculo triunfam os anjos
e os bem aventurados.
Irá guia-lo no Partaíso
não mais Virgílio,
o poeta a quem tanto deve, mas
Beatriz, paixão de sua
vida. Sendo uma mulher casada,
Dante teria por ela alimentado
amor platônico. Essa dama
morreu jovem, aos 24 anos, o
que o teria deixado, segundo
um dos biógrafos, imerso
em “tantas dores, tanta
aflição e tantas
lágrimas que os seus parentes
e amigos nenhum fim dele esperavam
que não fosse a morte
prematura”. A alma de Beatriz
o recebe de modo pouco amistoso,
reprovando-o de forma que confessa
não entender, talvez porque
pretendesse atribuir caráter
pecaminoso ao amor que lhe devotara,
o que o poeta jamais poderia
admitir.
O tom dominante do poema é o
de quem deseja expressar seu
devotamento á fé cristã,
empenho que parecerá exagerado á Época
Moderna. Contudo, nenhum de seus
leitores poderá deixar
de reconhecer a grandiosidade
de sua criação
e a genialidade daquele que foi
capaz de conceber e plasmar uma
obra inquestionavelmente destinada
a sobreviver a seu tempo e perenizar-se
(Ver também DANTE
ALIGHIERI)
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