Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A)Divina Comédia, de Dante Alighieri

A Divina Comédia constitui um poema épico, rigorosamente simétrico, difícil de ser traduzido de idêntica forma. Por isto, é comum que o façam em prosa. Não se considera que as traduções portuguesas em verso tenham sido bem sucedidas. Parecem, às pessoas familiarizadas com o tema, textos herméticos, de difícil entendimento. A tradução brasileira melhor acolhida, devida ao escritor Hernani Donato, em prosa, consegue transmitir toda a beleza da concepção do autor. Ainda que a intenção de Dante tenha sido ir ao encontro do espírito da época – quando a salvação da alma achava-se no centro da pregação religiosa --, trata-se de um texto literário para ler não só lido prazeirosamente como amplamente difundido. A tradução de Hernani Donato atende plenamente a tais exigências.

O livro subdivide-se em três partes, contando cada uma com 33 cantos, havendo, na primeira, um canto introdutório em que apresenta  a circunstância em que se encontra (“tendo perdido o caminho verdadeiro, achei-me embrenhado em selva tenebrosa”) e irá esbarrar com o guia que lhe fora enviado pela grande paixão (Beatriz). Trata-se, nada mais nada menos,  de Virgílio, como diz, “final e luz dos demais poetas, valha-me agora o muito tempo em que  com grande afeto em teus versos me abeberei”.

A primeira parte descreve o Inferno, subdividido em nove círculos. No primeiro círculo Dante coloca os não batizados, a começar do Velho Testamento (possante guerreiro libertou das sombras “a alma de nosso primeiro pai, e a de Abel, de Noé, a de Moisés que por Ele legislara e a Ele obedecera, a do patriarca Abraão...” (IV.51), passando pela Grécia (não apenas os grandes filósofos como Platão e Aristóteles, mas Homero e seus personagens bem como os homens de ciência da época como Hipocrates e Galeno) para findar em Roma, com esta advertência: “Relação de todos quanto vi não posso aqui deixar, pois bem longa seria e a ser sucinto continuamente me obrigo”.

O Inferno propriamente dito, isto é, onde se encontram os pecadores, caracteriza-se pelos “prantos, lamentos, gritos de dor” e a cada grupo de pecadores acha-se destinado um círculo, segundo sejam sensuais, gulosos, avarentos, hereges, hajam pecado pela violência, sedutores, aduladores, ladrões e até os traidores (da família, da pátria, dos amigos ou dos benfeitores). No ponto mais baixo do Inferno, que é também o centro da terra, encontra-se Satanás, uma figura tremenda, dotado de três faces e três bocas. É interessante que Dante haja colocado num mesmo círculo, para que se apoquentem uns aos outros, os avarentos e os pródigos.E, também, que em cada uma das bocas de Satanás, devorando-os, encontrem-se  Judas, o grande traidor de Cristo,  e a seguir Cássio e Bruto, traidores e assassinos de Júlio César, morto em 44 a. C., (nomeado Cônsul em 59 a. C., tendo assumido o ônus de pôr fim à República, marca o seu consulado a transição para o Império). Graças à que se tenha passado a ter acesso à obra dos autores clássicos  (o que, aliás, explica o encantamento por Virgílio) e à história da Roma Antiga, essa escolha sugere que Júlio César se haja tornado ancestral respeitado e festejado.

Entre o Inferno, lugar dos condenados sem apelação, e o Paraíso, para onde se destinam os salvos para a vida eterna, Dante concebe um sítio intermediário, o Purgatório. A permanência ali destina-se à cura da propensão ao pecado. Estariam  propensos a cometê-lo os soberbos; os invejosos, os coléricos, os preguiçosos e também certa classe de avarentos e pródigos. Nessa parte do poema, Dante revela extraordinária erudição histórica, que o torna apto a avaliar, com prudência, que personagens da história pátria --e mesmo da história da Igreja--, iria colocar no Purgatório.

O Purgatório situa-se numa ilha oceânica, inteiramente separado do Inferno. Nessa ilha existe um planalto onde se inicia o Paraíso. Este subdivide-se em dez círculos. O primeiro deles é alcançado,  a partir da Terra, no local em que, no Céu,   encontrar-se-iam a Lua e os planetas. Aqui Dante segue o entendimento vigente da harmonia celestial, baseado na teoria geocêntrica de Ptolomeu: a Terra estaria imóvel, no Centro, tendo nove planetas a girar em seu derredor. O último círculo denomina-se Empíreo. A divisão pretende refletir os graus existentes na prática do Bem. Há os que o realizam para usufruir de glórias mundanas. Aos doutores da Igreja está destinado um círculo autônomo do mesmo modo que aos santos. No décimo círculo triunfam os anjos e os bem aventurados.

Irá guia-lo no Partaíso não mais Virgílio, o poeta a quem tanto deve, mas Beatriz, paixão de sua vida. Sendo uma mulher casada, Dante teria por ela alimentado amor platônico. Essa dama morreu jovem, aos 24 anos, o que o teria deixado, segundo um dos biógrafos, imerso em “tantas dores, tanta aflição e tantas lágrimas que os seus parentes e amigos nenhum fim dele esperavam que não fosse a morte prematura”. A alma de Beatriz o recebe de modo pouco amistoso, reprovando-o de forma que confessa não entender, talvez porque pretendesse atribuir caráter pecaminoso ao amor que lhe devotara, o que o poeta jamais poderia admitir.

O tom dominante do poema é o de quem deseja expressar seu devotamento á fé cristã, empenho que parecerá exagerado á Época Moderna. Contudo, nenhum de seus leitores poderá deixar de reconhecer a grandiosidade de sua criação e a genialidade daquele que foi capaz de conceber e plasmar uma obra inquestionavelmente destinada a sobreviver a seu tempo e perenizar-se (Ver também DANTE ALIGHIERI)

 

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