Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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DICKENS, Charles

Alguns escritores românticos contribuíram para a popularização de uma caricatura da Era Vitoriana como o período histórico em que emergem os horrores do sistema fabril e a exploração da classe operária ou como uma fase de hipocrisia moral e de crueldade com as crianças. Entre os autores que nos legaram tal visão, sobressai Charles Dickens (1812-1870). Folhetinista de sucesso(2) muito jovem ainda, aos 25 anos, encontra-se entre os que mais divertem. As aventuras do Sr. Pidewick, que aparecem em capítulos no Morning Chronicle, em 1837,(3) o jornal de maior circulação no país, contam episódios muito engraçados do herói que dá título à história e seu criado Sam Weller, fazendo emergir do texto personagens inesquecíveis. Escreveu-se, na época, que “a Inglaterra ri e chora com as aventuras do personagem de Dickens”.

Subseqüentemente, Dickens dá preferência a figuras de pessoas pobres, vítimas de incompreensões e injustiças. Oliver Twist (1838) é o relato da vida de um menino órfão que vive num asilo com outras crianças e se vê envolvido com marginais. O ambiente do reformatório é opressivo. Mas é em David Copperfield (1850) que ataca com veemência as instituições de seu tempo, as escolas onde só vê maus tratos, as condições de trabalho que lhe parecem dantescas. Revolta-o, sobretudo, o encarceramento por dívida de que fora vítima o próprio pai, acarretando uma situação terrível para a sua família quando o autor tinha doze anos e viu-se obrigado a enfrentar a luta pela sobrevivência. As vítimas são figuras angelicais e o leitor é induzido a revoltar-se contra a sociedade.

No que se refere à maldade humana, tomada genericamente, alguns autores consideram que Dickens produziu uma obra perene e imortal. Assim, escreve Angus Calder. “Quando a imaginação de Dickens começou a trabalhar na sociedade vitoriana, que ele dominava e detestava, produziu um painel, certamente caricatural e injusto nos detalhes, mas que no geral parece hoje não apenas o reflexo de seu próprio tempo, e de uma forma acurada, como também uma perturbadora aproximação da nossa época. Suas cômicas e inspiradas criações  e  seus  vilões  demoníacos  têm sido,  geralmente,  considerados  meros  monstros, apreciáveis, porém irreais. Mas, como diz Leonel Trilling, “nós, que vimos Hitler, Goering e Goebbels colocados no palco da História, e Pecksniffery institucionalizado no Kremlim, não estamos em posição de supor que Dickens tenha exagerado o mínimo sobre a extravagância da loucura, do absurdo e da malevolência do mundo – ou, de uma forma inversa, quando consideramos a resistência a essas qualidades, a bondade”. Entretanto, no que diz respeito especificamente à Era Vitoriana, sua visão é francamente unilateral e distorcida.


(2)  As novelas (folhetins) apareciam, em geral, nos jornais especializados nesse tipo de publicação, mas também nos periódicos mais importantes. Entre os especializados, sobressai o London Journal, semanário que, segundo Himmelfarb, vendia normalmente 100 mil exemplares, atingindo 500 mil quando do aparecimento de folhetins de grande sucesso. Estes eram posteriormente vendidos em forma de livro.

(3)  Em 1830, Londres tinha sete matutinos e seis vespertinos de circulação diária, com uma tiragem global da ordem de 40 mil exemplares. A população oscilava em torno de 1,5 milhão de habitantes. Paralelamente publicavam-se muitos semanários e mensários, afora as grandes revistas.

 

 

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