Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Democracia e educação, de John Dewey

Na doutrina clássica, ao representante incumbia conhecer os interesses que lhe competia representar e, ao mesmo tempo, ter demonstrado ser capaz de defendê-los. Seu grau de instrução nada acrescentava. É o que diz expressamente Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846): “(...) em cada Estado deve haver um certo número de homens capazes de compreender e sustentar no Congresso os respectivos interesses. Estes homens distintos devem ter dado provas das suas capacidades nas ordens inferiores de onde não subiram sucessivamente senão pelo voto de seus concidadãos (...).

Ainda mesmo no caso de possuir conhecimentos mui extensos em outros ramos da ciência administrativa, não é sobre esses conhecimentos que os eleitores estabeleceram a sua confiança (...) (Manual do cidadão em um Governo Representativo 1834).

Ponto de vista novo na matéria seria formulado por destacadas personalidades da filosofia norte-americana, vinculada à corrente denominada pragmatismo. Vamos nos limitar a breves indicações acerca da proposta formulada por John Dewey (1859-1952).

Dewey tratou da relação entre democracia e educação em diversas oportunidades, mas a desenvolveu sistematicamente nos livros Democracy and Education (1916), Liberalism and Social Action (1935) e Freedom and Culture (1939).(1)

Dewey definiu a sociedade como sendo constituída por um grupo cuja integração provém de determinados interesses comuns e, além destes, certa porção de interação e reciprocidade cooperativa com outros grupos. Essa concepção está demonstrada exaustivamente à luz do exame dos mais diversos grupos sociais (Democracia e Educação).

A partir daquela premissa geral Dewey avança outra tese: “Toda educação ministrada por um grupo tende a socializar seus membros, mas a qualidade e o valor da socialização dependem dos hábitos e aspirações do grupo”. Essa hipótese é analisada na circunstância de um país governado despoticamente para concluir que “as influências que a alguns educam para senhores, educariam a outros para escravos”.
No que respeita ao governo representativo, escreve o seguinte: “O amor da democracia pela educação é um fato cediço. A explicação superficial é que um governo que se funda no sufrágio popular não pode ser eficiente se aqueles que o elegem e lhe obedecem não forem convenientemente educados. Uma vez que a sociedade democrática repudia o princípio da autoridade externa, deve dar-lhe como substitutos a aceitação e o interesse voluntários, e unicamente a educação pode criá-los. Mas há uma explicação mais profunda. Uma democracia é mais que uma forma de governo: é, primacialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada (Democracia e educação, cap. 7, “A concepção democrática da educação”).

Em Democracia e Educação, Dewey não apenas procede ao embasamento teórico do processo educacional, como refere o conteúdo que lhe deve atribuir a sociedade democrática. Seu ideal de educação a serviço da cidadania foi incorporado ao sistema educacional norte-americano e suscitou grande debate, notadamente no que se refere à educação de cunho científico – que alguns entenderam a corrente pragmática enfatizaria unilateralmente – e a formação humanística. Esse tema viria a ser plenamente elucidado por um de seus discípulos, Sidney Hook, no livro Education for Modern Man (1963), traduzido ao português. Esse ideário acha-se resumido na Proposta Paidéia (ed. brasileira pela Editora Universidade de Brasília, 1984).

Os textos que Dewey dedicou ao liberalismo na década de 30 são igualmente de maior relevância e guardam grande atualidade, embora não pudesse ter uma adequada compreensão do keynesianismo.

Contudo, em meio ao quadro totalmente adverso de ascensão das correntes totalitárias na Europa, soube proclamar a capacidade do liberalismo de enfrentar a avalanche. Fazendo profissão de fé no que denominou então de renascente liberalismo teria oportunidade de escrever: “A civilização, em qualquer caso, enfrenta o problema de unir as mudanças em curso em um plano coerente de organização social. O espírito liberal tem sua idéia própria do plano que se requer: uma organização social que torne possível a liberdade efetiva e a oportunidade do crescimento individual da mente e do espírito de todos os indivíduos”. (Ver também A Educação para o homem moderno, de HOOK, Sidney).


(1)  Traduzidas ao português por iniciativa de Anísio Teixeira: Democracia e Educação (4ª ed., 1979) e Liberalismo, Liberdade e Cultura (1970), ambas pela Cia. Editora Nacional, de São Paulo, Brasil.

 

 

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