(O) Contrato Social,
de Jean-Jacques Rousseau
O Contrato Social foi
publicado em 1762. Aparentemente
insere-se no grande debate
iniciado por Hobbes sobre a
instituição da
sociedade civil, distinta do
estado de natureza, e das razões
pelas quais os homens preferiram
dispor de um governo ao invés
de preservar aquele estado
originário. Hobbes havia
postulado que este último
acabara consistindo numa guerra
de todos contra todos, exigindo-se
a presença de um soberano
para impor a ordem. Admitindo
que a sociedade civil fora
precedida pelo estado de natureza,
Locke partiu da hipótese
de que os homens decidiram
restringir a própria
liberdade a fim de preservar
a propriedade. Optaram portanto
pela existência da lei.
Da tese de Hobbes resulta a
preferência pela monarquia
absoluta enquanto, a partir
de Locke, o Legislativo é que
se constitui como poder supremo.
Mais tarde esse regime foi
denominado de monarquia constitucional.
Rousseau adota todos os mencionados
conceitos mas atribui-lhes sentido
totalmente diverso a partir de
uma novidade que introduz no
debate: a noção
de vontade geral.
Como escreve na obra em apreço, “os
homens retos e simples são
difíceis de enganar em
virtude de sua simplicidade”.
O regime que pudesse basear-se
na expressão de sua vontade
evidenciaria de pronto em que
consiste o bem comum, exigindo
sua estruturação
pouquíssimas leis. A descrença
nessa possibilidade resulta do
fato de que, por toda parte,
o Estado seja mal constituído.
Para conceber o melhor regime – ainda
que os homens não possam
aspirar à perfeição,
atributo divino – parte
de duas idealizações.
Primeira: o homem é bom
por sua própria natureza,
a sociedade é que o corrompeu.
Segunda: a democracia antiga
estaria próxima do melhor
regime possível, fornecendo-nos
o modelo a partir do qual podemos
conceber o que nos convém.
Seu modelo de democracia é basicamente
Roma.
Os passos seguintes dão-se
na direção do que
se convencionou chamar de democratismo,
isto é, uma justificativa
do poder pessoal que, experimentado
durante a Revolução
Francesa marcou o denominado
período do Terror (junho,
1793-julho, 1794), quando a guilhotina
funcionou ininterruptamente e,
nos dois últimos meses,
apenas em Paris, foram guilhotinadas
1.300 pessoas. E, no século
XX, os regimes totalitários
na Rússia e no Leste Europeu.
Embora os homens sejam bons por
natureza, a sociedade pode tê-los
corrompido de forma irreversível.
Escreve em O Contrato Social: “Os
povos, assim como os homens,
só são dóceis
na juventude; ao envelhecer,
tornam-se incorrigíveis;
uma vez estabelecidos os costumes
e enraizados os preconceitos, é empresa
vã e arriscada pretender
reformá-los; o povo não
pode sequer admitir que se toque
em seus males para destruí-los,
como esses doentes estúpidos
e pusilânimes que tremem à simples
presença do médico”.
(Livro II; cap. VIII)
A circunstância descrita
exige obra de destruição,
como afirma: “O que torna
penosa a obra de legislação
não é tanto o que
cumpre estabelecer como o que
cumpre destruir; e o que torna
o sucesso tão raro é a
impossibilidade de encontrar
a simplicidade da natureza junto
com as necessidades da sociedade.
Todas essas condições, é verdade,
dificilmente acham-se reunidas.
Eis porque se vêm poucos
estados bem constituídos”.
(Livro II; cap. X)
Rousseau condena francamente
o governo representativo que
estava sendo experimentado na
Inglaterra. Em que pese o fato
de que, desde a Revolução
Gloriosa de 1688, ao longo de
portanto quase um século,
tenham cessado as guerras civis,
escreve o seguinte: “Os
deputados do povo não
são nem podem ser os seus
representantes; são simples
comissários, e nada podem
concluir definitivamente. Toda
lei que o povo não tenha
ratificado diretamente é nula,
não é uma lei.
O povo inglês pensa ser
livre, mas está redondamente
enganado, pois só o é durante
a eleição dos membros
do Parlamento; assim que estes
são eleitos, ele é escravo,
não é nada. Nos
breves momentos de sua liberdade,
pelo uso que dela faz bem merece
perdê-la”. (Livro
III; cap. XV)
Ao invés de escolher representantes,
o povo deve expressar-se diretamente
em assembléias: “O
povo reunido – dir-se-á –,
que quimera. É uma quimera
hoje, mas não o era há dois
mil anos. Será que os
homens mudaram de natureza?” Em
vários momentos históricos,
em diversos países – e
não só durante
a Revolução Francesa –,
tentou-se o assembleísmo.
A prática evidenciou a
facilidade da manipulação
da tão louvada “vontade
geral”. E quanto isto não
foi possível, recorreu-se
ao terror, na França,
ao chamado “massacre do
Rossio”, em Portugal, no
curso do movimento revolucionário
de 1837 e, sob os comunistas,
no século passado, à eficácia
da polícia política.
Rousseau não fala diretamente
em manipulação.
Mas reconheceu a necessidade
de um intérprete (privilegiado)
da vontade geral. Avançou
também a sua preferência
pelo sorteio na escolha dos governantes
ao invés de eleições.
Diz taxativamente que “o
expediente do sorteio está mais
na natureza da democracia ...
(porquanto) em qualquer democracia
a magistratura não é uma
vantagem mas uma carga onerosa
que não se pode, com justiça,
impor mais a um particular do
que a outro”. (Livro IV;
cap. III)
Não falta ao arrazoado
a justificação
da ditadura, a pretexto de “salvação
nacional”.
O Contrato Social contém todos os ingredientes que explicam
o desenrolar da Revolução Francesa. Os argumentos para desencadeá-la
consistiam na atribuição da soberania exclusivamente ao povo
e na tese do caráter provisório da forma monárquica. Como
de fato ocorreu nas Cortes Gerais, segundo havia estabelecido, à assembléia
popular, em que deve expressar-se a vontade geral, incumbe preliminarmente
decidir se “apraz ao povo deixar a administração ao que
delas se acham atualmente incumbidos”. De igual modo, a consigna Liberdade,
Igualdade e Fraternidade inspirou-se no livro. Também se tentou implantar
uma religião sem interferência das igrejas, ministrada diretamente
pelo Estado, a que Rousseau denominara de religião civil. (Ver também ROUSSEAU,
Jean-Jacques).
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