Considerações
sobre o governo representativo,
John Stuart Mill
Trata-se de obra em que o autor sistematiza as suas opiniões – e
em geral do chamado utilitarismo – sobre aquela forma de governo.
Antes de fazê-lo, procura responder a esta pergunta: “até que
ponto as formas de governo são uma questão de escolha?” Sustenta
a tese geral de que as convicções morais prevalecem sobre os interesses
materiais. Exemplifica com a abolição da escravatura no Império
britânico e em outros lugares. E acrescenta: “Os servos na Rússia
devem sua emancipação, senão a um sentimento de dever, pelo
menos ao crescimento de uma opinião mais esclarecida com respeito ao verdadeiro
interesse do Estado”. Assim, embora haja circunstâncias que possam
obstar a escolha da melhor forma de governo (lembra que foram necessários
vários séculos para que os bárbaros invasores do império
romano passassem a obedecer aos seus próprios chefes fora do serviço
militar), o decisivo é que a opinião se incline naquela direção.
Escreve textualmente: “Quando, portanto, a maioria das pessoas instruídas
puder ser levada a reconhecer como salutar uma medida social ou uma instituição
política, e uma outra como prejudicial; uma como desejável, outra
como condenável; muito terá sido feito para proporcionar a uma,
e negar à outra, a preponderância da força social que a faz
viver. E a máxima de que o governo de um país é aquilo que
as forças sociais o obrigam a ser é verdadeira apenas enquanto
favorecem, ao invés de desencorajar, a tentativa de exercer, entre outras
formas de governo praticáveis na condição existente da sociedade,
uma escolha racional”.
Mill afirma taxativamente que a forma ideal de governo é o sistema representativo.
Para comprová-lo trata das funções inerentes aos corpos
representativos e dos riscos que podem afetar o seu funcionamento.
No governo representativo, o povo inteiro, ou parte dele, exerce o poder de controle
supremo através de deputados por ele eleitos periodicamente. Embora tenha
restrições ao sistema inglês, no tocante à representatividade,
indica que, se bem a Constituição não o afirme, no que se
refere ao exercício daquele poder supremo na prática os deputados
o exercem. Dada a investidura de que dispõem cada um dos três poderes,
se os usassem de fato impediriam o funcionamento uns dos outros. Tal não
se dá, escreve, graças às máximas não escritas.
Para julgar os riscos inerentes a qualquer regime, o governo deve dispor de suficiente
autoridade para o desempenho de suas funções e exercitá-la.
Mill inclina-se pelo sistema eleitoral proporcional e discute amplamente o tema
da extensão do sufrágio.
O autor é a favor do sufrágio universal, entendendo que devam ser
excluídos do sistema eleitoral os analfabetos e aquelas pessoas mal instruídas.
Acha que os níveis de instrução da população
dependem basicamente da ação governamental empreendida naquela
direção, através de sistema escolar acessível a todos.
Mas, se tal não ocorre, trata-se, como diz, de “uma injustiça à qual
devemos nos resignar”.
Além dos analfabetos e afins, também deveriam ser excluídas
as pessoas que não pagam impostos do mesmo modo que aquelas que recebem
ajuda financeira oficial, bem como os que hajam falido em seus negócios.
Condena a superioridade que o sistema vigente atribui à classe proprietária,
embora não negue que tal situação seja um testemunho de
sua capacidade. Admite entretanto que as pessoas com níveis elevados de
instrução pudessem ser distinguidas pelo que chama de “voto
plural”, isto é, seu voto valeria mais que o das pessoas comuns.
Reconhece que se trata de princípio de difícil execução.
A obra discute ainda diversos outros aspectos da organização do
corpo eleitoral, a exemplo da eleição em dois estágios;
a forma de votação (manifesta-se em favor do voto secreto); a organização
das listas de eleitores, etc. Revela verdadeira indignação com
o fato de que as mulheres sejam privadas do direito de voto. Supõe que
se trate de simples preconceito e argumenta da forma adiante: “Existe algo
mais do que ordinariamente irracional no fato de que quando uma mulher pode dar
todas as garantias exigidas de um eleitor do sexo masculino, como fortuna própria,
a posição de proprietária e chefe de família, o pagamento
de taxas ou quaisquer que sejam as condições impostas, o próprio
princípio e sistema de uma representação baseada na propriedade é deixado
de lado... Quando se acrescenta que o país onde isto é feito é governado
por uma mulher, e que o mais glorioso soberano que este país jamais teve
foi uma mulher, a imagem da irracionalidade e da injustiça mal disfarçada
se completa...”
O livro de Stuart Mill é de 1861 e a aceitação pelo Parlamento
das reformas que então preconizava são muito posteriores. O voto
secreto seria adotado em 1872, um ano antes de sua morte, ocorrida em 1873. Mas
a equalização dos distritos e eliminação das restrições
em matéria de renda somente viriam em 1884. E quanto à plena democratização
do sistema, incluindo o voto feminino, seria fenômeno posterior à Primeira
Guerra Mundial.
De um modo geral, o livro Considerações sobre o governo representativo é mencionado,
sobretudo, quando se trata de reconstituir a discussão acerca da natureza
da representação política. Mill seguiu a trilha aberta por
Edmund Burke (1729-1797), procurando distinguir a nova circunstância do
governo representativo daquela que se dava nas Cortes onde vigorava o princípio
do mandato imperativo. A solução de Burke seria a de que, na nova
situação, o deputado representa toda a Nação, sem
embargo da atenção especial que lhe incumbe dedicar aos reclamos
de seus eleitores. A tese de Stuart Mill é a de que o representante não
está sujeito ao mandato imperativo porque é (ou deveria ser) mais
instruído e mais sábio que seus eleitores. A consideração
do tema sob este ângulo não teve maior fortuna. Ponto de partida
mais fecundo seria estabelecido por Benjamin Constant (1767-1830) ao postular
que a representação era de interesses. (Ver também MILL,
John Stuart).
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