Confissões,
de Santo Agostinho
As Confissões,
de Santo Agostinho, não
constituem propriamente documento
auto-biográfico. Trata-se
da obra de um bispo católico,
convertido ao cristianismo na
idade adulta, aos 32 anos, na
qual passa em revista alguns
aspectos de sua vida anterior,
de uma visão rigorosamente
condenatória, do Livro
Primeiro ao Nono. Ao cabo, nos
livros restantes, resume, em
termos filosóficos, o
que seria o encontro com Deus.
O próprio autor apresenta
desta forma o seu relato: “Mas
a quem conto eu estes fatos?
Certamente que não a ti
meu Deus, mas em tua presença
conto estas coisas aos de minha
estirpe, ao gênero humano,
ainda que estas páginas
chegassem às mãos
de poucos. E para que então?
Para que eu, e quem me ler, pensemos
na profundeza do abismo de onde
temos que clamar por ti. E que
há de mais próximo
aos teus ouvidos que o coração
constante e a vida que procede
da fé?” (Livro Segundo,
capítulo III).
A condenação do
próprio passado não
estabelece maior diferenciação
entre os diversos planos da vida
humana. Assim, é levado
a rever a simpatia anterior que
nutria em relação
ao maniqueísmo, doutrina
que partia da admissão
de dois princípios constitutivos,
o Bem e o Mal, equiparando-os.
Agostinho compreendeu que minava
pela base os fundamentos da moral
e encontrou argumentos para refuta-la
que a posteridade soube louvar
e incorporar ao patrimônio
comum da cultura ocidental.
Contudo, deixou de estabelecer
qualquer nuança em relação
a outros planos. Senão,
vejamos.
Agostinho era professor de retórica.
Presentemente essa disciplina é definida
como dizendo respeito à argumentação.
Na época tinha entretanto
maiores atribuições.
Correspondia aproximadamente
ao que denominamos de humanidades.
Compreendia o ensino do latim
e o conhecimento de outras línguas
e dos autores já então
considerados clássicos.
Naturalmente não abrangia
o estudo dos textos que iriam
compor o Novo Testamento. Sendo
nestes últimos que Agostinho
passou a entender que residia
a verdade, deixa de atribuir
qualquer mérito ao seu
magistério anterior. Na
verdade, não há qualquer
incompatibilidade entre a cultura
geral e a doutrina cristã,
como a própria Igreja
o reconheceu.
Como não poderia deixar
de ser, sua opção
pelo celibato teria que haver
ocorrido posteriormente à conversão.
Mas observe-se como se refere
ao fato de que tivera amantes
e até um filho: “Amar
e ser amado era para mim a coisa
mais doce, sobretudo se podia
gozar do corpo da criatura amada.
Deste modo manchava com torpe
concupiscência a fonte
do amor e obscurecia seu candor
com os vapores infernais da luxuria.
E apesar de tão torpe
e impuro, desejava com afã e
cheio de vaidade, passar por
afável e cortês.” A
atitude de Santo Agostinho em
relação ao sexo
certamente tem muito a ver com
a dificuldade da Igreja Católica,
ao longo do tempo, de distinguir,
nessa matéria, o comportamento
recomendável a quem fez,
voluntariamente, voto de castidade, daquele
que seria adequado ao comum dos
mortais. Concretamente, não
se pode negar que a moral sexual
muda com o tempo. Ao mesmo tempo,
não seria lícito
esperar que a Igreja Católica
acompanhe essa evolução.
Contudo, teria que escolher com
equilíbrio como atuar
no sentido de preservar certos
valores relacionados à família,
a exemplo da paternidade responsável,
circunstância em que o
parâmetro não há de
ser quem haja optado pela condição
de sacerdote católico.
De modo que o caráter
duradouro das Confissões – e
do conjunto de sua obra – não
se deve a tais aspectos secundários,
mas ao fato de que haja desvendado
o significado davida interior
para a formação
da pessoa humana. E, no que se
refere à doutrina cristã,
tê-laaproximado em definitivo
do método inventado pelos
gregos na busca da precisão
conceitual.
Os quatro últimos livros
(Décimo ao Décimo
Terceiro) constituem autêntico
tratado filosófico em
que são estudados os sentidos
e a memória, para estabelecer
a superioridade da alma, isto é,
da atividade espiritual. A par
disto, inaugura o procedimento
de abordar em termos racionais
os grandes mistérios da
Igreja, a Santíssima Trindade,
as tábuas da Lei ou a
criação da eternidade.
(Ver também Santo
Agostinho e Do Livre
Arbítrio)
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