(A) Cidade
e as serras,
de Eça de Queirós
Supõe-se que Eça
de Queirós o haja concluído
pouco antes de falecer (1900),
não tendo tido oportunidade
de vê-lo impresso, o que
somente se deu em 1901. Ainda
que o livro tenha a intenção
de exaltar a bucólica
vida da aldeia portuguesa, em
confronto com a agitação
parisiense, o personagem, Jacinto
de Tormes, é uma figura
típica do fastio resultante
de uma situação
de abastança, quando tudo
parece haver encontrado seu lugar.
Nas nações ricas
do Ocidente, sucedem-se gerações
desejosos de passar o mundo a
limpo, donde a sobrevivência
de doutrinas como o anarquismo
e o comunismo, ainda que não
tenham sido capazes de construir
alternativas consistentes ao
capitalismo. Jacinto também
teve a sua fase de descrença
em Deus e de pessimismo pretensamente
doutrinário, e as desilusões
de parte de seus amigos terminam
por leva-los a descobrir o hinduismo,
o que sugere a falta de originalidade
da época atual, neste
início de milênio.
Mas vamos ao nosso Jacinto.
Devido às
disputas geradas pela transição da monarquia absoluta para a
constitucional, nos começos do século XIX, de que resulta
prolongada guerra civil em Portugal, o avô conservador fixa residência
em Paris. Jacinto de Tormes, nas últimas décadas do século, é um
homem de trinta anos. Adere sem reservas ao progresso científico:
telefone, telegrafo e toda espécie de engenho capaz de proporcionar
comodidade. O palacete em que reside, numa das artérias centrais de
Paris (o 202 dos Campos Elísios), ainda que disponha apenas de dois
andares, possui elevador. Acha-se equipado com telescópio. Jacinto está a
par de todas as novidades científicas e dispõe de imensa biblioteca.
O
fastio da cidade é registrado por um de seus amigos portugueses. A
cidade, augusta criação da humanidade, apenas nos elevamos a
uma coluna transforma-se numa espécie de nódoa cinzenta: “E
o 202, o soberbo 202, como seus arames, seus aparelhos, a pompa da sua mecânica,
os seus trinta mil livros? Sumido, esvaído na confusão de telha
e cinza. Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se contempla de
cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço?
Hem, Jacinto? ... Onde estão os teus armazéns servidos por três
mil caixeiros? E os banco em que retine o ouro universal? Tudo se fundiu em
uma nódoa parda que suja a Terra.”
Quando
os aparelhos de Jacinto emperram ou falta energia, Eça de Queirós
cria situações de extrema comicidade, a exemplo da cena em que
o peixe – que seria o centro do grande jantar, presente a fina flor da
cidade – fica retido no elevador, que o levaria da cozinha à sala,
e um dos comensais tenta sem resultado pesca-lo de volta.
Enfastiado,
Jacinto decide-se por ir á propriedade em Portugal, na zona considerada
mais inóspita do país, em plena serra. Extravia-se a bagagem
que seria o elo com a civilização, tendo assim que enfrentar
o desconforto das condições locais. Aos poucos formula-se um
projeto, primeiro irrealista e romântico – transformar o local
num autêntico jardim—mas, depois, plenamente ajustado à realidade.
A melhoria da propriedade começa por proporcionar habitação
e condições decentes de vida aos empregados. A nova circunstância
coroa-se pelo reexame de suas crenças parisienses: “Que engenhosa
besta, esse Shopenhauer. E o mais besta que o sorvia e que me desolava em sinceridade.
... O pessimismo é uma forma bem consoladora para os que sofrem, porque
desindividualiza o sofrimento, alongao-o até tornar-se uma lei universal,
uma lei da vida”. Ainda mais: “E depois o pessimismo é excelente
para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso deleite da inércia.” (Ver
também QUEIRÓS, Eça e (A)
Ilustre Casa de Ramires)
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