(A) Cidade Antiga, de
Fustel de Coulanges
Apareceu em 1865, sendo seu autor
Fustel de Coulanges (1830-1889).
Insere-se entre os primeiros
trabalhos voltados para a compreensão
da civilização
antiga. Desde o Renascimento,
tornou-se costume invocar eventos
daquela época com o intuito
de colher ensinamentos e aplicá-los à circunstância
contemporânea do autor.
Exemplo expressivo encontra-se
na obra de Maquiavel – Comentários
sobre a Primeira Década
de Tito Lívio (1517).
A Revolução Francesa
imaginou que poderia reviver
o esplendor da Roma Antiga adotando
as suas denominações
para os cargos públicos.
Certamente é isto que
tem em vista Coulanges quando
explica deste modo seu propósito: “A
idéia que se tem da Grécia
e de Roma muitas vezes perturba
as nossas gerações.
Observando-se mal as instituições
da cidade antiga, pensa-se fazê-las
reviver entre nós sob
leis da atualidade... Para
que haja um verdadeiro conhecimento
desses povos antigos, torna-se
mister estudá-los sem
a idéia fixa de ver neles
homens como nós, como
se os antigos não nos
fossem totalmente estranhos;
devemos compreendê-los
tão desinteressadamente
e com a mesma liberdade de espírito
como se estudássemos a Índia
antiga ou a Arábia”.
A hipótese compreensiva
de Coulanges, no aspecto que
aqui nos interessa, reflete entretanto
o vezo oitocentista de encarar
as revoltas e revoluções
como o elemento explicativo por
excelência do curso histórico,
sem se dar conta de que as próprias
revoluções carecem
de ser explicadas. Na hipótese
da geração de Coulanges,
a que pertencem também
os autores socialistas e revolucionários
como Proudhon (1809-1865) e Marx
(1818-1883), não há lugar
para os valores culturais, sem
perceber que o próprio
ideal socialista só se
sustenta por uma inspiração
de caráter moral. Assim,
embora a sua obra seja uma contribuição
fundamental para a compreensão
da Grécia e da Roma Antigas
e tenha atribuído importância
devida à dissolução
da sociedade patriarcal, é pouco
esclarecedora desse aspecto fundamental
desde que, sem a derrocada do
patriarcalismo não teria
ocorrido o que se convencionou
denominar de “milagre grego”.
Coulanges apresenta do seguinte
modo a sua hipótese geral: “Não
podemos imaginar nada mais solidamente
constituído do que a família
de antigamente, com seus Deuses,
seu culto, seu sacerdote e seu
magistrado. Nada de mais vigoroso
existiu que essa cidade, que
continha em si a religião,
seus Deuses protetores e seu
sacerdócio independente,
que tanto dominava sobre a alma
como sobre o corpo do homem e,
infinitamente mais poderosa que
o Estado moderno, reunia em si
as duas autoridades hoje divididas
entre o Estado e a Igreja. Se
alguma sociedade existiu constituída
para durar, essa foi uma delas.
No entanto, como em tudo o que é humano,
ela sofreu uma série de
revoluções.
De uma maneira geral não
poderemos determinar a época
em que estas revoluções
tiveram início. Julga-se,
com efeito, não ter sido
a mesma para as cidades da Grécia
e da Itália. O certo é que
a antiga organização
passou a ser discutida e atacada
quase que por toda parte, a partir
do século VII a.C. A partir
dessa época, essa sociedade
dificilmente se sustém,
a não ser por um misto
mais ou menos engenhoso de resistência
e de concessões. Desse
modo ainda se debateu, por vários
séculos, no meio de lutas
contínuas, até que,
finalmente, desapareceu.
As causas originárias
que a fizeram desaparecer podem
reduzir-se a duas. A primeira,
a da transformação
operada no campo das idéias,
em conseqüência do
natural desenvolvimento do espírito
humano que, fazendo desaparecer
as antigas crenças, desmoronou,
ao mesmo tempo, o edifício
social por essas crenças
construído e que apenas
elas poderiam suster. A segunda
causa encontra-se na existência
de uma classe colocada à margem
dessa organização,
e que por isso sofria, tendo
assim interesse em destruí-la,
pelo que lhe declarou uma guerra
sem tréguas.
“Ao se enfraquecerem essas crenças, sobre as quais esse regime
social se alicerçava, e ao entrarem em choque com o sistema os interesses
da maioria, forçosamente esse regime teria de desaparecer. Nem uma só cidade
sobreviveu a esta lei de evolução, nem Esparta, nem Atenas, nem
Roma, nem mesmo a Grécia. Assim como vimos terem tido os habitantes
da Grécia e os das Itália as mesmas crenças, em sua origem,
e como a mesma série de instituições se desenvolveu entre
eles, veremos agora que todas essas cidades passaram por idênticas revoluções”.
(Livro Quarto. As revoluções. Trad. brasileira da Editora
Hemus; várias edições, p. 187).
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