(As) Viagens de Gulliver, de
Jonathan Swift
As viagens de Gulliver foram
popularizadas sobretudo como
contos para crianças,
sem referência às
circunstâncias que levaram
Swift a inventá-las.
Aquela vertente foi explorada
pelo cinema, inclusive na forma
de desenho animado, em especial
o primeiro episódio.
Neste, o valoroso marinheiro
sofre naufrágio e chega
a uma terra (Liliput) de criaturas
muito pequenas, onde tudo o
mais (árvores, animais,
etc.) obedecem a idênticas
proporções. Permanece
ali tempo suficiente para aprender
a língua e os costumes.
Tem um papel fundamental na
guerra em que os liliputanos
se envolvem com povo vizinho,
proporcionando-lhes uma grande
vitória ao amarrar,
uns aos outros, os barcos da
Armada inimiga e rebocá-los
com uma corda. Apesar de se
ter transformado em herói
nacional, devidamente condecorado, é vítima
de intriga da Corte (o país
está organizado em forma
de monarquia) e condenado.
Consegue fugir depois de muitas
peripécias e voltar à Inglaterra.
Sendo capitão de navio,
seria vítima de outros
naufrágios. Chega a uma
terra de gigantes (Laputa) e
a história mais ou menos
se repete. Conhece civilizações
organizadas cientificamente,
notadamente aquela em que o homem
conquista a imortalidade. Por
toda parte só há disputas
mesquinhas, ambição
de poder, maldade enfim. No caso
do país dos imortais,
todos são sustentados
pelo Estado, mas, de fato, recebem "escassíssima
pensão" e vêm-se
constrangidos a mendigar, o que é terminantemente
proibido. Eis o quadro que descreve: "Constituíam
o espetáculo mais mortificante
que já vira; e as mulheres
eram ainda mais horríveis
que os homens. Além das
costumeiras deformidades da velhice
extrema, adquiriam elas uma palidez
medonha, proporcional ao número
de anos, que se não pode
descrever; e entre meia dúzia
não tardei em distinguir
a mais velha, se bem não
mediasse entre elas mais de um
século ou dois. Acreditará facilmente
o leitor que, depois do que vi
e ouvi, o meu grande anseio de
perpetuidade decresceu muito".
Finalmente, Gulliver chega ao
país dos Houyhnhnms. São
nada mais nada menos que uma
raça de cavalos. Confronta
os seus hábitos com os
dos ingleses para fazer sobressair
a sua superioridade moral mas
também para submeter a
sociedade de seu tempo a uma
crítica mordaz. Em contrapartida,
os cavalos daquela raça "são
dotados pela natureza de uma
propensão geral a todas
as virtudes e não fazem
concepção nem idéia
do mal numa criatura racional,
assim consiste a sua grande máxima
em cultivarem a razão
e serem por ela inteiramente
governados. Nem é para
eles a razão um ponto
problemático – como
entre nós, onde os homens
podem defender com plausibilidade
os dois lados de uma questão –,
senão que lhes infunde
uma convicção imediata
como há de fazê-lo,
posto que a não confundem,
obscurecem ou desfiguram paixões
e interesses".
Na Inglaterra da primeira metade
do século XVIII, eliminada
a possibilidade de reinício
da guerra civil e buscada com
firmeza a melhor forma de funcionamento
do governo representativo, passa
a sobressair o significado da
moralidade social. Como vigora
amplo pluralismo religioso, não
há uma igreja capaz de
impor regras comuns de comportamento. É o
tempo a pregação
de grandes moralistas. Swift,
como Defoe, figuram do lado daqueles
que são pessimistas em
relação à pessoa
humana e ambos irão recorrer à literatura
com o propósito de contribuir
no sentido de promover a correção
dos costumes. (Ver também SWlFT, Jonathan e DEFOE,
Daniel)