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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
Leviatã, de
Hobbes
A obra Leviatã,
de Thomas Hobbes (1588-1679),
aparecida em 1651, embora estivesse
marcada pela circunstância – por
achar-se ao serviço daqueles
grupos que, na Inglaterra, se
opunham à autonomia do
Parlamento e buscavam assegurar
a sobrevivência da monarquia
absoluta – conseguiu assegurar-se
uma posição marcante
no processo de constituição
da moderna meditação
sobre a política, na medida
em que elaborou alguns conceitos
fundamentais e que, por isto
mesmo, teriam uma longa vigência.
O livro está marcado pelo
novo entendimento, emergente
em seu país de origem,
segundo o qual o conhecimento
louva-se da experiência.
Dedica-se, portanto à análise
da sociedade e, nesta, toma ao
poder como uma categoria-chave.
Acham-se associados ao poder
tanto a riqueza como o sucesso,
a reputação, a
honra, etc. “A beleza é poder,
escreve, pois sendo uma promessa
de Deus, recomenda os homens
ao favor das mulheres e dos estranhos”.
As ciências têm o
seu poder limitado “porque
não são eminentes
e, conseqüentemente, não
são reconhecidas por todos”.
Contudo, “o maior de todos
os poderes é aquele que é composto
pelos poderes de vários
homens, unidos por consentimento
numa só pessoa, natural
ou civil, que tem o uso de todos
os seus poderes na dependência
de sua vontade: é o caso
do poder do Estado”.
A observação dos
costumes leva-o a convicção
de que não existem fins últimos
nem o bem supremo – finis
ultimus e summum bonum “de
que se fala nos livros dos antigos
filósofos morais”. Define
a felicidade como “um contínuo
progresso do desejo, de um objeto
para outro, não sendo
a obtenção do primeiro
outra coisa senão o caminho
para conseguir o segundo”.
As ações dos homens,
do mesmo modo que suas inclinações,
buscam não apenas conseguir
mas igualmente manter uma vida
satisfatória. “Assinalo
assim, conclui, em primeiro lugar,
como tendência geral de
todos os homens, um perpétuo
e irrequieto desejo de poder
e mais poder, que cessa apenas
com a morte”.
Essa tendência conduz à disputa
e ao conflito. Afirma Hobbes: “A
competição pela
riqueza, a honra, o mando e outros
poderes leva à luta, à inimizade
e à guerra, porque o caminho
seguido pelo competidor para
realizar seu desejo consiste
em matar, subjugar, suplantar
ou repelir o outro”.
Nessa circunstância, a
busca de um poder comum, merecedor
de obediência, resulta
tanto do desejo de uma vida confortável
e serena, como do medo da morte.
O poder do monarca não
advém pois de Deus mas
resulta de uma delegação
dos próprios homens. É um
contrato, isto é, “uma
transferência mútua
de direito”. Para cumpri-lo
e executá-lo, deve o soberano
concentrar todos os poderes em
suas mãos. Deste modo,
a idéia do pacto ou do
contrato social nasce associado
ao absolutismo.(1) Mais
tarde, preservando a noção
de contrato social, outros autores
iriam solucioná-lo de
formas diferentes. No mesmo ciclo,
John Locke, sem abdicar da idéia
de “estado de natureza”,
iria derivar o poder da representação,
tendo em seu favor sobretudo
a experiência de quase
um século de instabilidade
política.
Os postulados de Hobbes não
são deduzidos desse ou
daquele conceito, como se dava
na Escolástica. Para exemplificar,
no que respeita ao próprio
cerne da sua doutrina, o estado
de natureza, de cuja existência
pareceriam inexistir evidências
empíricas, Hobbes formula
sua tese deste modo:
“... durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz
de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição
a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra
todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no
ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar
batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção
de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo
modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau
tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência
para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza
da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição
para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário.
Todo o tempo restante é de paz.
Portanto tudo aquilo que é válido
para um tempo de guerra, em que
todo homem é inimigo de
todo homem, o mesmo é válido
também para o tempo durante
o qual os homens vivem sem outra
segurança senão
a que lhes pode ser oferecida
por sua própria força
e sua própria invenção.
Numa tal situação
não há lugar para
a indústria, pois seu
fruto é incerto; consequentemente
não há cultivo
da terra, nem navegação,
nem uso das mercadorias que podem
ser importadas pelo mar; não
há construções
confortáveis, nem instrumentos
para mover e remover as coisas
que precisam de grande força;
não há conhecimento
da face da Terra, nem cômputo
do tempo, nem letras; não
há sociedades; e o que é pior
do que tudo, um constante temor
e perigo de morte violenta. E
a vida do homem é solitária,
pobre, sórdida, embrutecida
e curta” (Cap. XIII).
A defesa da hipótese está formulada
nos seguintes termos:
“Poderá parecer estranho a alguém que não tenha
considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens,
tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. E poderá,
portanto, talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita
a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência.
Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma
viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas
portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo
sabendo que existem leis e funcionário públicos armados, prontos
a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião
tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos,
ao fechar suas portas; e de seus filhos servidores, quando tranca seus cofres?
Não significa isso acusar tanto a humanidade como seus atos como eu
o faço com minhas palavras? Mas nenhum de nós acusa com isso
a natureza humana. Os desejos e outras paixões do homem não são
em si mesmos um pecado. Nem tampouco o são as ações que
derivam dessas paixões, até ao momento em que se tome conhecimento
de uma lei que as proíba; o que será impossível até ao
momento em que sejam feitas as leis; e nenhuma lei pode ser feita antes de
se ter determinado qual a pessoa que deverá fazê-la” (Cap.
XIII). (Ver também HOBBES).
(1) Na
introdução à antologia Social
Contract (Oxford University
Press, The World’s
classics-1951), Ernest Barker
considera que a idéia
geral de um contrato social
era corrente durante o século
V a.C. Contudo, desaparece
para somente florescer na Época
Moderna.
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