Investigação sobre os princípios da moral, de
David Hume
Hume publicou inicialmente Tratado da Natureza Humana (1739), quando
ainda não completara 30 anos (nasceu em 1711), livro em que resume o
que seria a sua contribuição à filosofia moderna, tanto
no que diz respeito à teoria do conhecimento como no que se refere à moral.
Subseqüentemente, procurou apresentar de forma mais simples as suas idéias,
em textos autônomos, sendo um destes a Investigação
sobre os princípios da moral, aparecido em 1751. Este livro corresponde
a uma espécie de síntese da discussão havida na Inglaterra,
na primeira metade do século XVIII, no tocante ao que se convencionou
denominar de ética social, isto é, a busca dos fundamentos do
comportamento moral das pessoas na vida em sociedade.
Esquematicamente, as teses precedentes consistiam em admitir que os objetivos
fixados pelos homens em sociedade não se inspiram em pressupostos racionais.
Assim, não haveria um bem supremo ao qual devesse ajustar-se o comportamento
humano, como supunham os antigos, cujas teses chegaram a ser revividas no debate
precedente. Para alcançar os objetivos visados, os homens partem de
tendências primitivas, tornadas patentes no curso histórico, tendências
essas que se complicam e assumem formas artificiais. Não se chegou a
um acordo, entretanto, quais seriam as questões centrais e, sobretudo,
as razões pelas quais as pessoas se disporiam a cumprir a lei moral.
O grande propósito de Hume, como escreveu no Tratado da Natureza
Humana consiste em "introduzir o método experimental nos
sujeitos morais".
O estudo a que procede das paixões é detalhado e minucioso. Seu
propósito consiste em apreender os elementos efetivamente definidores,
naquilo que o homem tem de comum com os animais, isto é, no estrito
plano dos instintos. O passo inicial consiste em admitir que o impulso originário
básico consiste em alcançar o prazer e evitar a dor.
Os sentimentos nucleares, que podem ser associados diretamente ao prazer e à dor,
são em número reduzido e formam determinados pares. O primeiro
deles é constituído pela polaridade orgulho-humildade,
que estão diretamente relacionados ao sujeito. A parelha seguinte, amor-ódio,
relaciona-se a uma outra pessoa. Originariamente, tais sentimentos não
se acham associados a qualquer idéia de virtude ou vício. No
caso do amor e do ódio, Hume simula nada menos que oito situações
diferentes e as denomina de experiências. Recorrendo ao princípio
da "associação das idéias", que estudara na
teoria do conhecimento, tentará desvendar as cadeias de associações
formadas por aquelas paixões primordiais.
Como se dá, contudo, que estes sentimentos venham a ser associados à virtude
e ao vício? A descoberta desse trânsito exigirá que se
leve em conta o caráter social da moralidade. Será no exame desse
relacionamento social que se tornará possível verificar que a
experiência há de ter permitido identificar o que era útil
ao fim visado. O princípio de utilidade sobressai mesmo nas mais sofisticadas
construções humanas. Escreve a propósito: "Em
todas as determinações morais esta circunstância de utilidade
pública acha-se sempre presente e quando surgem as discussões,
tanto na filosofia quanto no cotidiano, a respeito dos limites do dever, a
questão não pode de maneira alguma ser decidida com maior certeza
do que se estabelecendo de que lado se encontram os verdadeiros interesses
da humanidade. Se por acaso uma opinião errada destrói essa escolha,
porque a aceitamos baseados em falsas aparências, logo que uma experiência
mais impetuosa e um raciocínio mais sadio nos dão uma noção
mais justa dos interesses humanos, nós renegamos nosso primeiro sentimento
e reajustamos as fronteiras do bem e do mal, segundo a moral".
Pelo conjunto de princípios apresentados precedentemente, Hume esclarece,
de uma forma que foi considerada coerentemente empirista em seu tempo - isto é,
louvando-se da experiência social e não de simples deduções
dissociadas da realidade - como se estruturam as valorações morais.
Reduzido número de impulsos são associados a diferentes sentimentos
e, pelo efeito que produzem na sociedade - por sua utilidade, para usar a terminologia
empregada por nosso autor - são relacionados seja ao vício seja à virtude.
Mas de onde provém a circunstância de que os homens sejam instados
e estimulados a seguir aqueles comportamentos que estão associados à virtude?
Recorrer aqui ao princípio de que o homem está dotado de consciência
moral, como se insistiu precedentemente, há de ter parecido a Hume que
seria conceder àqueles que abordam a moral privilegiando os seus aspectos
racionais. Longe do grande pensador qualquer espécie de menosprezo à educação
ou à exaltação da virtude ao contrário, é o
primeiro a reconhecer a sua importância e pretende mesmo, com sua obra,
estar contribuindo naquele sentido. Contudo, seu empenho cifra-se numa outra
direção: no encontro daqueles impulsos originários sobre
os quais repousam as criações artificiais da moral.
Levando em conta que, ao contribuir para obter a aprovação geral,
o comportamento utilitário cria um clima de simpatia, Hume foi levado
ao exame mais detido deste sentimento.
Em suas análises conclui que a simpatia constitui, originariamente,
um impulso que nos leva à identificação com o outro. Todos
já experimentamos situações em que sentimos vergonha,
dor, alegria por um outro, mesmo nas circunstâncias em que tal reação
sequer seja ou possa ser percebida pela outra pessoa. Esse sentimento é que
permitiu se criassem laços extremamente sólidos na vida social.
A par disto, é o que leva os homens a preferir o comportamento virtuoso,
aprovado pela sociedade. Hume não considera que tal hipótese
corresponderia a um constrangimento capaz de retirar da ação
moral o seu caráter de ato livre, porquanto entende que a evidência
moral de que fala, quando busca as determinantes da ação,
não é mais que uma “conclusão sobre as ações
dos homens, tiradas da consideração de seus motivos, de seu caráter
e de sua situação”.
Com Hume, portanto, a ética social assume feição teórica
definida, desprende-se das preocupações de caráter moralizante,
e corresponde também a uma hipótese de fundamentação
da moral dentre as surgidas na Época Moderna. (Ver também HUME,
David).
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