Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z

 

Inquérito sobre o entendimento humano, de David Hume

Neste livro, David Hume dedica-se ao mister de dar maior coerência ao empirismo (doutrina que afirma provir o conhecimento da experiência), aprofundando a doutrina de Locke. Este denominou seu livro An Essay Concerning Human Understanding enquanto Hume denominou ao seu de An Enquiry Concerning Human Understanding. Entre as duas há aproximadamente cinqüenta anos: sendo a primeira de 1690, a segunda editou-se em 1748. No intervalo publicaram-se diversas obras sobre o tema, ganhando major nomeada o de Jorge Berkley (1685-1753), que chamou de A Teatrise Concerning the Principles of Human Knowledge (1710).

Esquematicamente, este é o conteúdo do Inquérito:

1. Todas as percepções de nosso espírito podem ser reduzidas a duas espécies ou classes, por seu grau de força e vivacidade: as impressões (que são as apreensões imediatas) e as idéias (ou pensamento), que são uma espécie de evocação. Todas as nossas idéias, por mais gerais que nos pareçam, podem sempre ser reduzidas à impressão da qual tem origem. Por isto mesmo, tomadas isoladamente, são indistintas e obscuras (Seção II. Origem das idéias).

2. As idéias simples (redutíveis às impressões), compreendidas nas idéias complexas, são ligadas por princípios idênticos em todos os homens. Tais princípios, denominados de associação de idéias, reduzem-se aos seguintes: de semelhança; de contigüidade no tempo e no espaço; e de relação de causa e efeito (Seção III. Associação das idéias).

3. Todos os objetos da razão humana podem ser reduzidos a dois gêneros: as relações de idéias e os fatos. Do primeiro gênero são a geometria, a álgebra e a aritmética, cujas afirmativas são intuitivas ou demonstrativamente certas. O estabelecimento dos fatos não logra alcançar grau idêntico de evidência. Todas as relações entre fatos apoiam-se na relação de causa e efeito. E não se pode conhecer essa relação a partir de raciocínios “a priori” mas apenas a partir da experiência (Seção IV. Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento. Primeira parte).

4. O fundamento de todas as conclusões tiradas da experiência consiste na experiência passada (refere-se a um aqui e a um agora e só em relação a estes dão uma informação direta e certa), caindo portanto na ordem das probabilidades. (Seção IV. Segunda parte).

5. Todas as conclusões tiradas da experiência são efeito do hábito e não do raciocínio (Seção V. Solução cética destas dúvidas). É impossível estabelecer-se a existência de conexão necessária entre fatos e, portanto, de extrapolar-se os dados da experiência para outras ordens de problemas (Seção VI. Probabilidade. Seção III. A idéia de conexão necessária). Dizer, por exemplo, que Deus é causa primeira eqüivale a atribuir-lhe a responsabilidade pelo mal e o pecado, problema que não pode ser resolvido discursivamente (Seção VIII. Liberdade e necessidade).

Com as teses antes resumidas, Hume deu uma solução nova à questão da experiência sensível, tornando plausível sua adoção como fonte do conhecimento. Outra contribuição importante consiste na distinção entre o mundo real e o discurso. Parece pueril mas é de uma grande profundidade. Foi precisamente essa distinção que permitiu a Kant fixar o conceito de experiência possível, contida nos limites da capacidade humana, e, por esse meio, criticar o sistema Wolf-Leibniz que denomina de metafísica dogmática.

Como vimos, Hume entende que a relação causa e efeito, que é básica para o nosso conhecimento do mundo sensível, repousa no hábito, vale dizer, no acaso. Com essa afirmativa deixa sem explicação o fato de que a física newtoniana tenha alcançado reconhecimento universal. Desse problema partirá Kant.
Hume avança a tese de que a ciência é de caráter probabilístico. Essa hipótese achava-se, entretanto, muito acima da compreensão de seu tempo e somente será retomada no século XX, com o aparecimento de outras físicas e a rigorosa fixação dos limites de aplicabilidade da física newtoniana. (Ver também HUME, David).

 

 

 

 

Voltar