Inquérito sobre o entendimento
humano, de David Hume
Neste livro, David Hume dedica-se ao mister de dar maior coerência ao
empirismo (doutrina que afirma provir o conhecimento da experiência),
aprofundando a doutrina de Locke. Este denominou seu livro An Essay Concerning
Human Understanding enquanto Hume denominou ao seu de An Enquiry Concerning
Human Understanding. Entre as duas há aproximadamente cinqüenta
anos: sendo a primeira de 1690, a segunda editou-se em 1748. No intervalo publicaram-se
diversas obras sobre o tema, ganhando major nomeada o de Jorge Berkley (1685-1753),
que chamou de A Teatrise Concerning the Principles of Human Knowledge (1710).
Esquematicamente, este é o conteúdo do Inquérito:
1. Todas as percepções de nosso espírito podem ser reduzidas
a duas espécies ou classes, por seu grau de força e vivacidade:
as impressões (que são as apreensões imediatas)
e as idéias (ou pensamento), que são uma espécie
de evocação. Todas as nossas idéias, por mais gerais que
nos pareçam, podem sempre ser reduzidas à impressão da
qual tem origem. Por isto mesmo, tomadas isoladamente, são indistintas
e obscuras (Seção II. Origem das idéias).
2. As idéias simples (redutíveis às impressões),
compreendidas nas idéias complexas, são ligadas por princípios
idênticos em todos os homens. Tais princípios, denominados de
associação de idéias, reduzem-se aos seguintes: de semelhança;
de contigüidade no tempo e no espaço; e de relação
de causa e efeito (Seção III. Associação das idéias).
3. Todos os objetos da razão humana podem ser reduzidos a dois gêneros:
as relações de idéias e os fatos. Do primeiro gênero
são a geometria, a álgebra e a aritmética, cujas afirmativas
são intuitivas ou demonstrativamente certas. O estabelecimento dos fatos
não logra alcançar grau idêntico de evidência. Todas
as relações entre fatos apoiam-se na relação de
causa e efeito. E não se pode conhecer essa relação a
partir de raciocínios “a priori” mas apenas a partir da
experiência (Seção IV. Dúvidas céticas sobre
as operações do entendimento. Primeira parte).
4. O fundamento de todas as conclusões tiradas da experiência
consiste na experiência passada (refere-se a um aqui e a um agora e só em
relação a estes dão uma informação direta
e certa), caindo portanto na ordem das probabilidades. (Seção
IV. Segunda parte).
5. Todas as conclusões tiradas da experiência são efeito
do hábito e não do raciocínio (Seção V.
Solução cética destas dúvidas). É impossível
estabelecer-se a existência de conexão necessária entre
fatos e, portanto, de extrapolar-se os dados da experiência para outras
ordens de problemas (Seção VI. Probabilidade. Seção
III. A idéia de conexão necessária). Dizer, por exemplo,
que Deus é causa primeira eqüivale a atribuir-lhe a responsabilidade
pelo mal e o pecado, problema que não pode ser resolvido discursivamente
(Seção VIII. Liberdade e necessidade).
Com as teses antes resumidas, Hume deu uma solução nova à questão
da experiência sensível, tornando plausível sua adoção
como fonte do conhecimento. Outra contribuição importante consiste
na distinção entre o mundo real e o discurso. Parece pueril mas é de
uma grande profundidade. Foi precisamente essa distinção que
permitiu a Kant fixar o conceito de experiência possível, contida
nos limites da capacidade humana, e, por esse meio, criticar o sistema
Wolf-Leibniz que denomina de metafísica dogmática.
Como vimos, Hume entende que a relação causa e efeito, que é básica
para o nosso conhecimento do mundo sensível, repousa no hábito,
vale dizer, no acaso. Com essa afirmativa deixa sem explicação
o fato de que a física newtoniana tenha alcançado reconhecimento
universal. Desse problema partirá Kant.
Hume avança a tese de que a ciência é de caráter
probabilístico. Essa hipótese achava-se, entretanto, muito acima
da compreensão de seu tempo e somente será retomada no século
XX, com o aparecimento de outras físicas e a rigorosa fixação
dos limites de aplicabilidade da física newtoniana. (Ver também HUME,
David).
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