Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Ilíada, de Homero

São atribuídos a Homero dois extensos poemas denominados de Ilíada e Odisséia. O primeiro contém a caracterização dos traços fundamentais da religião cultuada na época e o relato da guerra de Tróia. O segundo descreve os percalços do regresso à terra natal de um dos principais heróis daquela guerra, Ulisses.

A Grécia era então habitada pelos aqueus (que teriam chegado à região, provenientes da Europa Central, no século XV antes de Cristo). A guerra de Tróia teria ocorrido por volta do século XIII. A civilização dos aqueus foi denominada de micênica, pelo fato de que se denominava Micenas a capital daquele lendário período. Decorrido pelo menos um século, provavelmente no século XII, começam as invasões dóricas, que dão início à civilização onde surgiu a Grécia Clássica, na altura do século V. Seria no curso da fixação dos dóricos que se efetivaria a transcrição dos poemas homéricos até então preservados como tradição oral. A data provável em que teria havido essa transcrição também é objeto de controvérsia. Alguns estudiosos a situam nos séculos IX ou VIII. Outros entendem que o mais provável é que haja ocorrido na fase que precedeu imediatamente o período clássico, entre 550 e 500.

Sobre a personalidade do autor sabe-se muito pouco. A tradição consiste em supor que Homero seria o responsável pela versão das histórias que o Ocidente chamou de “mitologia grega”. Teria vivido no século VIII ou no século VI, segundo seja a data aceita como sendo a da transcrição. Faz parte da lenda a hipótese de que, ainda velho, erraria de cidade em cidade declamando seus versos. O certo é que se incorporaram à cultura grega, sendo recitados em ocasiões solenes e ensinados às crianças. As figuras marcantes da obra incendiaram a imaginação dos grandes dramaturgos clássicos, situados no século V (Ésquilo, Sófocles e Eurípedes), o que lhes asseguraria lugar de honra na cultura clássica européia.

A Ilíada compõe-se de 24 extensos poemas, denominados de cantos. Talvez em decorrência dos prazos dilatados transcorridos entre os acontecimentos e sua transcrição, as diversas gerações que preservaram oralmente a sua memória teriam introduzido digressões que tangenciam o objeto do relato. Acresce a circunstância de que os deuses da religião da época são apresentados como participantes ativos dos acontecimentos históricos, tomando partido em favor de uma ou outra das facções ou personalidades, influindo no desfecho das ações.

Um dos principais estudiosos da cultura grega, Carlos Alberto Nunes, que não só traduziu os poemas homéricos como os diálogos de Platão, deu vários exemplos dessa descontinuidade do relato. A consolidação, como diz, baseou-se, “em copioso material preexistente”, que entende como sendo constituído de “poemas de menores proporções, sagas, mitos de origem variada, que iam sendo incorporados a conjuntos cada vez mais amplos” (“A questão homérica”, introdução à tradução de Ilíada, Rio de Janeiro, Ediouro, 6ª edição, 1996, p. 10). Assim, há edições que, sem violar o espírito da obra, expurgam as digressões para obter um texto contínuo.

Segundo o relato, a guerra de Tróia foi provocada pelo fato de que Páris, filho de Priamo, rei de Tróia, seduziu a Helena, mulher de Menelau, rei de Argos, e a levou para Tróia. Argos situa-se no Peloponeso e supõe-se que ocupava uma posição de grande relevância na civilização da época. No poema, Tróia é destruída. Não se sabendo se por isto ou em decorrência apenas de catástrofes naturais, o certo é que o local em que estaria situada somente veio a ser fixado no século XIX. Ficaria onde se encontra a cidade turca de Hasarlik, no estreito de Dardanelos.

Para reparar a ofensa, os aqueus organizam uma poderosa expedição de que participam todas as cidades e centros em que se subdividia a região. O comandante da expedição é Agamenon, irmão de Menelau. Do lado aqueano, além dos mencionados, os grandes heróis são Aquiles, filho de uma deusa (Tétis, deusa do mar) e Ulisses (Odisseu, em grego), filho de Laertes, rei da Ítaca, marido de Penélope. Do lado troiano, Heitor, filho de Priamo. Todos tornaram-se personagens familiares à cultura ocidental.

A guerra dura vários anos, sobretudo porque, quando se aproxima do desfecho dos combates, uma das divindades interfere em favor do lado de sua preferência, na eventualidade de que esteja em vias de ser derrotado. Por essa razão também fracassam as tentativas de resolver o conflito com uma disputa entre Menelau, o ofendido, e Páris, o ofensor, do mesmo modo que o enfrentamento subseqüente entre Heitor e um dos guerreiros aqueus. A proposta de que Páris devolva Helena é recusada. Finalmente, graças ao engenho de Ulisses, guerreiros aqueus são introduzidos na cidade, escondidos num cavalo de madeira.

Formalmente, a Ilíada pretende relatar a disputa entre Agamenon e Aquiles, bem como a sua reconciliação, permitindo que o último retorne ao combate, quando mata Heitor. Os últimos cantos (XXII a XXIV) estão dedicados ao embate entre os dois heróis e à negociação, com Priamo, a que os deuses obrigam Aquiles, em prol da devolução aos troianos do cadáver de Heitor. Segundo a mitologia, a religião da época afirmava que o morto, ao qual não se prestasse as devidas homenagens fúnebres, ficava vagando sem conseguir penetrar no mundo dos mortos (Hades). A ira de Aquiles decorre do fato de que Heitor matara, em combate, ao seu meio irmão Pátrocolo. No canto XXII, a alma deste revela a Aquiles que encontrará a morte antes do fim da guerra. Muitas das lacunas deixadas pela Ilíada, quanto ao encadeamento da guerra e seu término, acabaram sendo preenchidas pela Odisséia. (Ver também Odisséia, de HOMERO, ÉSQUILO, SÓFOCLES e EURÍPEDES).

 

 

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