(A)
Ideologia alemã, de
Marx
Embora se trate de um texto somente divulgado pelos soviéticos em 1932,
A Ideologia Alemã representa uma obra fundamental para compreender
como Marx procura distanciar-se mas, ao mesmo tempo, mantém-se umbilicalmente
ligado à chamada esquerda hegeliana. Depois da morte de Hegel,
em 1831, os seus discípulos dividiram-se em dois grupos que se hostilizavam.
O primeiro, entre outras coisas, identificou com Deus o que na obra de Hegel
denomina-se de “Absoluto”, e entendia como sendo uma espécie
de direcionamento principal de sua meditação. O outro grupo, conhecido
ou autodenominado de “esquerda” (a idéia de que os grupos
políticos poderiam ser divididos, basicamente, em esquerda e direita provém
da Revolução Francesa), afirmava que o essencial na obra de Hegel
consistia em que, estando elaborado o sistema, cumpria realizá-lo na prática.
Noutros termos: concebida a sociedade racional cabia implantá-la. Ao invés
de deter-se no exame dessa possibilidade, passaram a disputar sobre qual seria
o grupo social capaz de levar a bom termo a empreitada. O próprio Hegel
colocara o funcionalismo numa posição de destaque na parte de seu
sistema dedicada à sociedade, razão pela qual davam-lhe preferência.
Marx considerava que isto equivalia a delegar a função racionalizadora
ao próprio Estado, que já na altura em que escreveu A Ideologia
alemã (1845-1846) entendia como um comitê a serviço
da “classe dominante”, isto é, a burguesia.
Hegel denominara de sistema das necessidades às atividades desenvolvidas
no seio da sociedade para permitir a sua sobrevivência, vale dizer, o sistema
produtivo. Um dos discípulos de Hegel (Feuerbach) havia indicado que era
a parcela fundamental da vida social, que os homens tinham em vista ao elaborar
mesmo as produções intelectuais mais sofisticadas. Chegou-se a
dizer que, com tal postulado, Feuerbach havia virado a dialética hegeliana
de cabeça para baixo, colocando em sua base, ao invés das idéias,
a própria vida material. Marx aceitaria essa premissa mas considera insuficiente
o “materialismo” de Feuerbach. Para tanto avança pela primeira
vez a hipótese de que, graças à sua descoberta das leis
objetivas do desenvolvimento social, o comunismo (somente muito mais tarde falaria
em socialismo) revestia-se de características científicas. O “sistema
das necessidades” passa a denominar-se modo de produção,
que se seciona em relações de produção (definidoras
do modo de produção, isto é, permitiria qualificar o modo
de produção como feudal, capitalista etc.) e forças produtivas,
que refletem o nível de desenvolvimento tecnológico. O modo de
produção capitalista teria facultado um grande progresso das forças
produtivas mas seria impeditivo de seu ulterior crescimento. Por esta razão:
tornara social o processo produtivo, incompatível com a apropriação
privada dos meios de produção. Essa descoberta demonstraria que,
na luta do proletariado contra a burguesia, seriam inevitáveis tanto a
revolução comunista como a vitória do modo de produção
comunista, em conseqüência das leis econômicas e independentemente
da vontade dos homens. Assim, nem os providencialistas, precedentemente, haviam
conseguido estabelecer o determinismo histórico com tamanha rigidez.
O livro foi batizado de Ideologia alemã porque contém
uma crítica acerba a todos os pretensos opositores do sistema capitalista,
que seriam, objetivamente “ideólogos” daquele sistema. Entendendo
achar-se a serviço do proletariado, automaticamente os que não
tendo chegado a conclusões idênticas à sua, mesmo de certa
forma figurando em idêntico campo político, estariam a serviço
do que posteriormente chamou-se de “inimigo de classe”. Assim,
o texto explica o comportamento subseqüente tanto do próprio Marx
como da descendência marxista na preferência, na formulação
de Stalin, em dirigir o golpe principal não contra o inimigo principal
mas contra aquela força que poderia desviar o proletariado do caminho
revolucionário.
Seu significado
residiria no fato de que, pela
primeira vez, formula-se com
detalhes o que passou à história
com o nome de “compreensão
materialista da história” ou
simplesmente materialismo histórico.
Assim, explica a feição
que logo adiante daria ao livro
que verdadeiramente lhe deu fama:
o Manifesto Comunista,
divulgado dois anos depois, em
1848. (Ver também MARX,
Karl).
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