include '../include/menu.php'?>
|
|
Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio
Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
(A) Democracia
na América, de
Alexis Tocqueville
O primeiro livro de A democracia
na América apareceu
em 1835 e, o segundo, em 1840.
Estudando-a, Pierre Larousse
indicou o seguinte: “A
obra de Tocqueville sobre a democracia
americana se divide, quanto ao
fundo, em duas partes; na primeira,
vê-se um observador que
analisa; na segunda, um pensador
que medita e julga”.
O fato que mais impressionou
a Tocqueville no seu primeiro
contato com a América
foi, sem dúvida, a igualdade
da sociedade americana. Mas,
ao mesmo tempo, o nosso autor
descobriu que se tratava de uma
democracia alicerçada
na defesa da liberdade. Depois
de ter salientado as principais
características físicas
da América do Norte, Tocqueville
passou a identificar as populações
que, fugindo das perseguições
religiosas na Europa, vieram
para a América a fim de
tentar uma nova forma de convívio
religioso e político.
A essa busca veio somar-se, no
sentir do nosso autor, a igualdade
civil e política, garantida
pela divisão da terra
desde o período colonial.
Foram fatores que concorreram à prosperidade
das colônias anglo-americanas
e que se somaram a outras variáveis:
os costumes puritanos, a poupança,
fruto do espírito de trabalho,
bem como um certo desleixo da
Metrópole que, já adiantado
o século XVIII, terminaria
sendo decisivo para o movimento
independentista.
A prática política
e administrativa das colônias
anglo-americanas terminou consagrando
alguns princípios que
eram, em geral, desconhecidos
dos países europeus, como
a participação
direta do povo nos negócios
públicos, notadamente
nas comunas, o voto livre de
imposto, a responsabilidade dos
agentes do poder, a liberdade
individual e o julgamento pelo
júri. Tocqueville destacou
no seu estudo que enquanto a
liberdade se desenvolvia na ordem
civil e política na América,
a religião presidia no
terreno moral, fundando os direitos
sobre a base firme dos deveres,
eticamente justificados.
Depois de o nosso autor ter assinalado,
de forma bastante detalhada,
os efeitos sociais da igual partilha
da propriedade nas sucessões,
passou a analisar a forma em
que, paralelamente, a inteligência
também estava mais ou
menos distribuída de forma
equilibrada. Não encontrou
Tocqueville, na América,
grandes individualidades que
brilhassem pela sua inteligência,
como na Europa. Mas constatou
que o bom senso e um nível
básico de instrução
estavam democraticamente distribuídos
na população do
vasto país. Nos Estados
Unidos, destacava ele, a soberania
do povo domina e ainda governa
e ela se exerce pelo sufrágio
universal.
A União americana, destacava
o nosso autor, compõe-se
de estados, cada um dos quais
se divide em comunas e condados.
No seu entender, a comuna parecia
surgida das mãos de Deus
como primeiro refúgio
da liberdade e não dependia
senão dela própria,
em tudo que se relacionasse ao
convívio dos cidadãos.
A comuna era enxergada por Tocqueville
como um foco de febril atividade
social e de sadia emulação.
O condado, por sua vez, seria
o equivalente do arrondissement francês;
caracteriza-se porque é puramente
administrativo e judiciário,
não é eletivo e
pauta juridicamente a ação
das comunas. O governo americano,
considerava o nosso autor, age
como a Providência, sem
se revelar. O poder é,
sem dúvida, o auxiliar
da lei. Mas o soberano é a
lei mesma.
Sendo o poder respeitado no seu
princípio, justamente
pelo fato de ser enxergado não
como sobranceiro à sociedade,
mas como o seu instrumento, ele
não era concebido pelos
anglo-americanos como algo que
devesse se concentrar numa única
mão, à maneira
do absolutismo europeu, mas como
uma instância que deveria
ser dividida, a fim de que a
sua ação se mitigasse.
Tocqueville apontava, surpreendido,
para o fato de não existir
na América nenhum centro
geral da administração.
O que não significava
que as decisões tomadas
pelos poderes legitimamente constituídos
fossem fracas. Em nenhuma outra
parte do mundo, considerava Tocqueville,
a ação governamental é mais
poderosa, justamente porque brota
do consenso da maioria. O nosso
autor não deixava de apontar
para o risco da tirania da maioria,
que essa prática anglo-americana
pressupunha.
De outro lado, Tocqueville observava
que o poder judiciário
ocupa um lugar de destaque na
sociedade americana. A sua influência
estende-se da ordem civil à política.
Aos atributos que em todas partes
caracterizam a ação
da Justiça juntava-se,
na América, o de exercer
um controle indireto sobre os
outros poderes, alicerçada
na interpretação
da Constituição,
mais do que das leis, mas somente
em casos particulares.
Depois de ter exposto a organização
civil, jurídica e política
do Estado, Tocqueville passava
a examinar a Constituição
Federal da União. O nosso
autor achava interessante se
adentrar no espírito que
animava a essa Carta, bem como
nas relações das
instituições políticas
federais. A unidade política
reside nas atribuições
soberanas assinaladas à União.
A unidade judiciária é constituída
por uma Corte Suprema que interpreta
as leis e que regulamenta os
diferendos entre os estados;
o princípio da independência
dos estados é representado
pelo Senado; a Assembléia
dos Representantes encarna o
dogma da soberania nacional.
Ao Poder Legislativo o Senado
junta o poder judiciário
e político. Já o
Poder Executivo é vigiado,
mas não dirigido, pelo
Senado e personifica-se no Presidente,
a fim de que a sua responsabilidade
seja mais completa. O primeiro
mandatário está munido
com o poder do veto suspensivo.
A prática, aceita pela
Constituição americana,
da reeleição do
Presidente, coloca-o, no sentir
de Tocqueville, a serviço
do despotismo da maioria. O único
motor de todo esse mecanismo é o
povo. Sob o império da
organização comunal,
do sufrágio universal
e do tribunal do júri,
o povo se administra a si mesmo
na América, faz e aplica
as leis. Os partidos que, nos
sufrágios, fossem relegados à categoria
de minoria política, renunciam à prática
da violência e assumem
o compromisso de tentar vencer
os seus adversários mediante
a persuasão e a prática
parlamentar. O nosso autor assinalava
dois caminhos que permitiam ao
povo americano se movimentar
e se agitar: a liberdade de imprensa
e o espírito de associação.
Mas é a liberdade de
associação que
parece ser o princípio
vital: ela se aplica a tudo,
desde as decisões mais
comezinhas da vida civil, até aos
atos mais importantes da soberania
nacional. O nosso autor chamava
a atenção para
o fato de que a mutabilidade
da administração
e da legislação
eram conseqüência
do governo eletivo.
O princípio do mandato
imperativo, adotado nos Estados
Unidos, parecia a Tocqueville
estimular o despotismo da maioria,
mal que o autor apontava como
ameaça para o futuro da
liberdade americana. Esse despotismo,
no sentir dele, corre o risco
de instaurar o reino da mediocridade
e paralisar os espíritos.
Nem Molière nem La Bruyère
poderiam pensar e escrever livremente
acerca do ridículo dos
políticos ou dos vícios
do povo americano, caso fossem
cidadãos dos Estados Unidos. Esse
despotismo, contudo, aponta Tocqueville, é temperado
pelos costumes em geral, pela
divisão do poder, pela
ausência de qualquer centralização
administrativa, pela influência
dos advogados, bem como pela
ação do tribunal
do júri. O nosso autor
se perguntava se as leis e os
costumes políticos imperantes
na América seriam suficientes
para manter vivas as instituições
democráticas, em qualquer
outro lugar do planeta. Responde
afirmativamente.
Tocqueville traçava um
quadro bem dramático do
relacionamento entre os três
grupos raciais presentes na América:
os índios, os negros e
os brancos. Em relação
aos índios, destacava
com perplexidade que, justamente
no país em que a liberdade
dos cidadãos fez mais
progressos, os selvagens
da América do Norte só tinham
dois meios de escapar à destruição:
a guerra ou a civilização.
Já que os aborígines
não podiam fazer a guerra,
em decorrência da sua evidente
inferioridade numérica
e técnica, Tocqueville
analisava esta paradoxal questão:
por que não desejam civilizar-se
quando o poderiam fazer, e não
mais o podem quando chegam a
desejá-lo. O nosso pensador
desenhava com cores sombrias,
outrossim, o futuro da problemática
do negro. De forma irônica,
numa sociedade em que tinha se
realizado o ideal da igualdade,
o preconceito dos brancos contra
os negros parece tornar-se mais
forte à medida que se
destrói a escravidão.
E, numa espécie de premonição
acerca do futuro das relações
internacionais no século
XX, previa que russos e americanos
elevar-se-iam até o primeiro
lugar no contexto de todas as
nações, pois um
desígnio secreto da Providência
os chamava a partilhar um dia
o império do mundo.
Logo após ter estudado
a influência geral que
a democracia tinha sobre o desenvolvimento
intelectual, moral, civil e político
da sociedade americana, face
a outras sociedades da época,
e após ter identificado
as virtudes e os vícios
da mesma, o nosso autor passava à conclusão
do seu estudo. O individualismo,
solidamente alicerçado
na prática do livre exame,
converteu-se em traço
marcante da sociedade americana.
No entanto, essa característica
foi mitigada pela influência
da religião, que se estruturou
separada da ordem política.
As grandes verdades morais, destarte,
conservaram o seu salutar império.
Mas Tocqueville apontava, na
sua conclusão, um paradoxo:
a sociedade americana professava,
paralelamente, um grande amor
ao conforto e ao bem-estar material.
Esse confronto entre religião
e materialismo, talvez se encontre
solucionado graças à mediação,
na sociedade americana, da ética
do trabalho. O trabalho produtivo,
quaisquer que fossem as condições
em que era praticado, tinha alta
relevância. Na América,
destacava outrossim o nosso autor,
a indústria e o comércio
predominam sobre a agricultura.
Emerge daí uma aristocracia
manufatureira que explora e degrada
o operário. No que tange à organização
familiar, impressionava ao nosso
autor o fato de que a tutela
paterna, nos Estados Unidos,
fosse abandonada facilmente.
As crianças são,
do ponto de vista social, quase
iguais aos pais. Não se
observam, na sociedade americana,
esses traços de acentuado
paternalismo do chefe de família,
que se encontravam nas sociedades
européias do século
XIX. Inferior na sociedade, a
mulher, nos Estados Unidos, é elevada
ao nível do homem na intimidade.
A noção de honra
está, de outro lado, em
franca decadência. O amor
ao lucro sobrepõe-se ao
espírito militar.
Face aos graves problemas da
democracia apontados na obra,
Tocqueville não escondia
as contradições
presentes na sociedade americana.
A mais importante delas, já mencionada,
o risco do despotismo da maioria.
Esse perigo era tanto menos forte,
na América, quanto grande
era, nessa sociedade, a tradição
de defesa da liberdade. O nosso
autor, evidentemente, chamava
a atenção para
o fato de tal risco ser maior
numa sociedade que se esqueceu
de lutar ardentemente pela liberdade,
como a francesa do período
da monarquia de Luís Filipe.
A democracia na América impressionou vivamente parcela expressiva
da elite européia e deu origem a movimentos de índole democrática,
a exemplo do cartismo(1) na
Inglaterra. Neste último caso, a recusa de suas propostas, adiante adotadas,
decorria do fato de que eram deduzidas de um ideal abstrato de pessoa humana.
Neste particular, a tese de Tocqueville era mais convincente, na medida em
que se estribava numa experiência concreta. A prática inglesa
subseqüente consagra o que veio a ser denominado de “processo de
democratização da idéia liberal”, cujo marco inicial
seria, inquestionavelmente, a obra de Tocqueville. (Ver também TOCQUEVILLE,
Alexis).
(1) Atuou
nas década de trinta
e quarenta, provindo a denominação
do documento que o instituiu,
denominado Carta das Liberdades
do Povo, que preconizava
sufrágio universal,
voto secreto, supressão
da exigência de renda
para os eleitos e remuneração
dos deputados, propostas
todas que acabaram sendo
introduzidas pelas reformas
eleitorais a partir de 1872.
Voltar
|
|
|