Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A) Cidade e as serras, de Eça de Queirós

Supõe-se que Eça de Queirós o haja concluído pouco antes de falecer (1900), não tendo tido oportunidade de vê-lo impresso, o que somente se deu em 1901. Ainda que o livro tenha a intenção de  exaltar a bucólica vida da aldeia portuguesa, em confronto com a agitação parisiense, o personagem, Jacinto de Tormes, é uma figura típica do fastio resultante de uma situação de abastança, quando tudo parece haver encontrado seu lugar. Nas nações ricas do Ocidente, sucedem-se gerações desejosos de passar o mundo a limpo, donde a sobrevivência de doutrinas como o anarquismo e o comunismo, ainda que não tenham sido capazes de construir alternativas consistentes ao capitalismo. Jacinto também teve a sua fase de descrença em Deus e de pessimismo pretensamente doutrinário, e as desilusões de parte de seus amigos terminam por leva-los a descobrir o hinduismo, o que sugere a falta de originalidade da época atual, neste início de milênio. Mas vamos ao nosso Jacinto.

Devido às disputas geradas pela transição da monarquia absoluta para a constitucional, nos começos do século XIX,  de que resulta prolongada guerra civil em Portugal, o avô conservador fixa residência em Paris. Jacinto de Tormes, nas últimas décadas do século, é um homem  de trinta anos. Adere sem reservas ao progresso científico: telefone, telegrafo e toda espécie de engenho capaz de proporcionar comodidade. O palacete em que reside, numa das artérias centrais de Paris (o 202 dos Campos Elísios), ainda que disponha apenas de dois andares, possui elevador. Acha-se equipado com telescópio. Jacinto está a par de todas as novidades científicas e dispõe de imensa biblioteca.

O fastio da cidade é registrado por um de seus amigos portugueses. A cidade, augusta criação da humanidade, apenas nos elevamos a uma coluna transforma-se numa espécie de nódoa cinzenta: “E o 202, o soberbo 202, como seus arames, seus aparelhos, a pompa da sua mecânica, os seus trinta mil livros? Sumido, esvaído na confusão de telha e cinza. Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se contempla de cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço? Hem, Jacinto? ... Onde estão os teus armazéns servidos por três mil caixeiros? E os banco em que retine o ouro universal? Tudo se fundiu em uma nódoa parda que suja a Terra.”

Quando os aparelhos de Jacinto emperram ou falta energia, Eça de Queirós cria situações de extrema comicidade, a exemplo da cena em que o peixe – que seria o centro do grande jantar, presente a fina flor da cidade – fica retido no elevador, que o levaria da cozinha à sala, e um dos comensais tenta sem resultado pesca-lo de volta.

Enfastiado, Jacinto decide-se por ir á propriedade em Portugal, na zona considerada mais inóspita do país, em plena serra. Extravia-se a bagagem que seria o elo com a civilização, tendo assim que enfrentar o desconforto das condições locais. Aos poucos formula-se um projeto, primeiro irrealista e romântico – transformar o local num autêntico jardim—mas, depois, plenamente ajustado à realidade. A melhoria da propriedade começa por proporcionar habitação e condições decentes de vida aos empregados. A nova circunstância coroa-se pelo reexame de suas crenças parisienses: “Que engenhosa besta, esse Shopenhauer. E o mais besta que o sorvia e que me desolava em sinceridade. ... O pessimismo é uma forma bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alongao-o até tornar-se uma lei universal, uma lei da vida”. Ainda mais: “E depois o pessimismo é excelente para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso deleite da inércia.” (Ver também QUEIRÓS, Eça e (A) Ilustre Casa de Ramires)

 

 

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