Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z

 

(A) Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges

Apareceu em 1865, sendo seu autor Fustel de Coulanges (1830-1889). Insere-se entre os primeiros trabalhos voltados para a compreensão da civilização antiga. Desde o Renascimento, tornou-se costume invocar eventos daquela época com o intuito de colher ensinamentos e aplicá-los à circunstância contemporânea do autor. Exemplo expressivo encontra-se na obra de Maquiavel – Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1517). A Revolução Francesa imaginou que poderia reviver o esplendor da Roma Antiga adotando as suas denominações para os cargos públicos. Certamente é isto que tem em vista Coulanges quando explica deste modo seu propósito: “A idéia que se tem da Grécia e de Roma muitas vezes perturba as nossas gerações. Observando-se mal as instituições da cidade antiga, pensa-se fazê-las reviver entre nós sob leis da atualidade...  Para que haja um verdadeiro conhecimento desses povos antigos, torna-se mister estudá-los sem a idéia fixa de ver neles homens como nós, como se os antigos não nos fossem totalmente estranhos; devemos compreendê-los tão desinteressadamente e com a mesma liberdade de espírito como se estudássemos a Índia antiga ou a Arábia”.

A hipótese compreensiva de Coulanges, no aspecto que aqui nos interessa, reflete entretanto o vezo oitocentista de encarar as revoltas e revoluções como o elemento explicativo por excelência do curso histórico, sem se dar conta de que as próprias revoluções carecem de ser explicadas. Na hipótese da geração de Coulanges, a que pertencem também os autores socialistas e revolucionários como Proudhon (1809-1865) e Marx (1818-1883), não há lugar para os valores culturais, sem perceber que o próprio ideal socialista só se sustenta por uma inspiração de caráter moral. Assim, embora a sua obra seja uma contribuição fundamental para a compreensão da Grécia e da Roma Antigas e tenha atribuído importância devida à dissolução da sociedade patriarcal, é pouco esclarecedora desse aspecto fundamental desde que, sem a derrocada do patriarcalismo não teria ocorrido o que se convencionou denominar de “milagre grego”.

Coulanges apresenta do seguinte modo a sua hipótese geral: “Não podemos imaginar nada mais solidamente constituído do que a família de antigamente, com seus Deuses, seu culto, seu sacerdote e seu magistrado. Nada de mais vigoroso existiu que essa cidade, que continha em si a religião, seus Deuses protetores e seu sacerdócio independente, que tanto dominava sobre a alma como sobre o corpo do homem e, infinitamente mais poderosa que o Estado moderno, reunia em si as duas autoridades hoje divididas entre o Estado e a Igreja. Se alguma sociedade existiu constituída para durar, essa foi uma delas. No entanto, como em tudo o que é humano, ela sofreu uma série de revoluções.

De uma maneira geral não poderemos determinar a época em que estas revoluções tiveram início. Julga-se, com efeito, não ter sido a mesma para as cidades da Grécia e da Itália. O certo é que a antiga organização passou a ser discutida e atacada quase que por toda parte, a partir do século VII a.C. A partir dessa época, essa sociedade dificilmente se sustém, a não ser por um misto mais ou menos engenhoso de resistência e de concessões. Desse modo ainda se debateu, por vários séculos, no meio de lutas contínuas, até que, finalmente, desapareceu.

As causas originárias que a fizeram desaparecer podem reduzir-se a duas. A primeira, a da transformação operada no campo das idéias, em conseqüência do natural desenvolvimento do espírito humano que, fazendo desaparecer as antigas crenças, desmoronou, ao mesmo tempo, o edifício social por essas crenças construído e que apenas elas poderiam suster. A segunda causa encontra-se na existência de uma classe colocada à margem dessa organização, e que por isso sofria, tendo assim interesse em destruí-la, pelo que lhe declarou uma guerra sem tréguas.

“Ao se enfraquecerem essas crenças, sobre as quais esse regime social se alicerçava, e ao entrarem em choque com o sistema os interesses da maioria, forçosamente esse regime teria de desaparecer. Nem uma só cidade sobreviveu a esta lei de evolução, nem Esparta, nem Atenas, nem Roma, nem mesmo a Grécia. Assim como vimos terem tido os habitantes da Grécia e os das Itália as mesmas crenças, em sua origem, e como a mesma série de instituições se desenvolveu entre eles, veremos agora que todas essas cidades passaram por idênticas revoluções”. (Livro Quarto. As revoluções. Trad. brasileira da Editora Hemus; várias edições, p. 187).

 

 

Voltar