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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio
Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
Características
do homem, de
Anthony Ashley Cooper
Anthony Ashley Cooper,
3º conde de Shafsterbury
(1671-1713), era filho
de lord Shafsterbury,
o famoso líder
liberal com quem trabalhou
Locke. Publicou diversos
estudos dedicados à moral,
a começar de An
Enquiry concerning
Virtue or Merit (1699),
e depois reuniu-os
no livro Characteristics
of Men, Manners, Opinions,
Times (1711),
sucessivamente reeditado.
Em sua obra de moralista,
seu propósito
era encontrar uma posição
mediana entre dois
grupos extremados.
De um lado, os pensadores
religiosos ortodoxos
que, tomando a expulsão
do paraíso como
paradigma, consideravam
que o principal estímulo
para as ações
virtuosas dos homens
era precisamente a
lembrança daquele
evento e da punição
representada pelo inferno.
De outro, pensadores
como Hobbes que depreciavam
a natureza humana argumentando
que o único
móvel da ação
era o interesse próprio.
Para contrapor-se a
ambos os grupos empreenderá a
defesa da natureza
humana.
A tese primordial de
Shafsterbury consiste
na afirmativa de que
os homens não
são um conjunto
de átomos desconectados
mas, como todas as
coisas, estão
ordenados para o melhor,
por um desígnio
da providência,
necessariamente bom
e permanente. Exalta,
na natureza, a admirável
simplicidade da ordem,
razão pela qual
contrapõe-se às
doutrinas religiosas
que admitem o milagre. É pois
francamente otimista
sua visão tanto
da natureza em geral
como da natureza humana
em particular.
De modo coerente com
esse princípio
geral, Shafsterbury
encara de maneira positiva
as paixões humanas.
Subdivide-as em três
grandes grupos: I)
as afeições
que visam nosso interesse
próprio e que
não são
de modo algum desprezíveis;
II) as afeições
que visam o interesse
geral; e, III) as afeições
que não têm
em vista qualquer interesse,
como a crueldade e
a malícia, que
são sempre más
e que denomina de “não-naturais”.
Em oposição à opinião
mais difundida, afirma
que algumas afeições
podem naturalmente
conduzir o indivíduo
a buscar o bem público,
sem levar em conta
seu próprio
bem-estar e na ausência
de sentimentos religiosos
prévios. Supunha
também que não
havia necessariamente
conflito entre as afeições
voltadas para o interesse
público e aquelas
voltadas para o interesse
próprio. A seu
ver, as afeições
públicas proporcionam
grandes satisfações
e, socialmente, as
afeições
privadas são
necessárias
ao conjunto. Aposta
na harmonia e no equilíbrio,
embora admita a presença
de circunstâncias
que possam afetá-los:
a compaixão
exagerada pode destruir
seu próprio
fim, do mesmo modo
que uma criatura negligente
e insensível
aos perigos pode trazer
danos ao convívio
social. Segundo entende,
contudo, de tais circunstâncias
não se poderia
inferir a existência
de conflito latente
entre o público
e o privado.
Supõe que a
tese da natureza egoísta
do homem somente se
sustentaria se vivesse
solitariamente. Ao
invés disto,
emergiu a sociabilidade
natural tanto com vistas à existência
material como à satisfação
emocional. Ademais,
o homem seria dotado
de um senso moral que
o compele a refletir
sobre suas ações
e afeições,
de certa forma equiparável
ao senso estético
que lhe permite identificar
prontamente a beleza.
Assim, o homem virtuoso
não age propriamente
com vistas ao bem público
mas porque o seu senso
moral distingue o certo
do errado. Em conseqüência
define a virtude como
a busca desinteressada
do bem público,
com a aprovação
do senso moral. O caráter
desinteressado da ação é essencial
para que se a considere
virtuosa.
A rigor, a meditação
de Shafsterbury não
se distingue da pregação
moralizante, oriunda
sobretudo dos religiosos
ortodoxos, embora não
o faça valendo-se
diretamente da religião
mas partindo de uma
avaliação
positiva da natureza
humana. O fato de que
Mandeville o tivesse
visado com a sua crítica
há de ter contribuído
para preservar o interesse
por sua obra.
Seu leitmotiv principal
consiste na exaltação
do “gentleman”,
do homem cultivado
e de bom gosto. Escreveria
em sua obra básica: “Assim
vemos que, afinal,
não é aquilo
que nós chamamos
de princípio mas
um gosto o
que governa os homens.
Eles podem pensar com
certeza que “isto é certo,
isto é errado”,
eles podem acreditar
que “isto é crime,
isto é pecado,
isto é punível
pelos homens, isto é punível
por Deus”. No
entanto, se o gosto
das coisas tende a
ser contrário à honestidade,
se a imaginação
for vulgar, se o apetite
for forte pelas belezas
subalternas e pelas
mais baixas ordens
de simetrias e proporções,
a conduta seguirá infalivelmente
este caminho. Até a
consciência,
temo eu, tal como é devida à disciplina
religiosa, fará má figura
onde tal gosto é falho.
Entre o vulto talvez
ela faça milagres.
Um demônio ou
o inferno podem prevalecer
onde a prisão
ou os trabalhos forçados
forem insuficientes.
Mas tal é a
natureza da humanidade
liberal, polida e refinada,
tão longe estão
da simplicidade dos
bebês, que ao
invés de aplicar
a noção
de uma futura recompensa
ou castigo ao seu comportamento
imediato em sociedade
eles estarão
muito mais aptos, através
de toda sua vida, a
mostrar evidentemente
que podem considerar
as pias narrativas
como não sendo
mais que histórias
para crianças
ou diversão
para os vulgares”.(1)
Confrontando as doutrinas
de Shafsterbury com
a posição
dos religiosos ortodoxos,
Thomas Home teria oportunidade
de escrever: “Embora
existam diferenças
em aspectos importantes
entre Shafsterbury
e os religiosos ortodoxos, é claro
que têm em comum
algumas posições.
De fato, poder-se-ia
dizer que enquanto
os ideólogos
da reforma social defendem
o espírito público
com argumentos teológicos
e, em certos casos,
históricos,
Shafsterbury proporciona
uma psicologia moral
como sustentáculo
dos argumentos em favor
do interesse público.
Atos desinteressados
dirigidos ao bem público
definem a virtude de
ambos. Argumentos contra
a luxúria, a
avareza, a cobiça
e a vaidade são
encontrados em Shafsterbury,
da mesma forma que
nos ortodoxos. E, mais
importante, ainda que
Shafsterbury tenha
separado a moralidade
da religião,
a manteve em estreita
aliança com
a política.
Considerou como sendo óbvio
que “moralidade
e bom governo marcham
juntos”.(1)
Assim, embora Shafsterbury
tenha partido da premissa
essencial – e
que ainda não
ganhara reconhecimento
universal na sociedade
inglesa de seu tempo – de
que a moral não
se confunde com a religião,
não conseguiu
de fato isolar a temática
que lhe era própria,
se bem tenha sabido
enfatizar que o essencial
do debate residia em
seu aspecto social.
Ainda a manteve muito
próxima da gestão
da coisa pública,
através do sistema
representativo, o que
não deixa de
ser uma forma de obscurecimento
da natureza mesma da
moral social, que deve
distinguir-se claramente
do direito. Contudo,
buscou abrir caminho
na direção
do entendimento pleno
da moral social, distinta
da individual, e o
fez, para usar uma
expressão de
Chaim Perelman (Introduction
historique à la
philosophie morale,
Editions de l’Université de
Bruxelles, 1980), promovendo
a categoria da dignidade
moral, isto é,
a idéia de que
a ação
moral é independente
tanto da recompensa
como da própria
aprovação.
Ao que acrescenta Perelman: “É a
concepção
de um grande senhor
que se preocupa antes
de tudo com a estima
que tem por si mesmo”.
Shafsterbury tinha
saúde precária
e viveu em Nápoles
os últimos anos
de sua vida, tendo
falecido muito jovem,
aos 42 anos. Sua obra
teve o mérito
de contrapor-se à identificação
da noção
de interesse com algo
de sórdido e
condenável,
que era lugar comum
na época. Ao
fazê-lo, obrigou
pensadores da categoria
de Mandeville a vir
em defesa dessa posição,
com o que se manteve
vivo o debate no plano
teórico – e
não apenas no âmbito
das preocupações
moralizantes, mais
freqüentes e mais
atuantes – o
que parece ter sido
essencial à conquista
do consenso posterior.
(Ver também MANDEVILLE,
Bernard e HUME,
David).
(1) A
Guide to British
Moralists,
antologia organizada
por D. H. Monro,
London, Fontana,
1972, p. 245.
(1) The
Social Tought
of Bernard Mandeville,
London, Macmillan,
1978, p. 36.
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