Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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BIRAN, Maine de

O pensamento de Maine de Biran deu base à constituição do chamado ecletismo, que alcançou grande difusão na Europa, inclusive em Portugal. No caso do Brasil, a Escola Eclética ocupa um lugar central na formação da elite imperial.

Filho de médico, radicado em Bergerac, no período em que ali viveu durante quase vinte anos ininterruptos, Maine de Biran (1766-1824) funda uma sociedade médica. Para esse círculo é que escreve uma das poucas obras por ele mesmo divulgadas: “A influência do Hábito sobre a Faculdade de Pensar” (1802).  Em Paris, freqüenta, de início, a denominada Société d’Auteil, mantida por pensadores vinculados à Enciclopédia e às doutrinas de Condillac. Mais tarde, estabelece laços estreitos com o grupo de espiritualistas e neocatólicos que se encontram empenhados na busca de uma filosofia capaz de combinar as conquistas do pensamento moderno com os postulados religiosos. Graças a isto é que a posteridade pôde reconhecer a importância de suas idéias na evolução da filosofia francesa desde que só divulgou, no período parisiense, uma pequena brochura dedicada ao exame da filosofia da Laromiguière, em 1817, sem entretanto declinar sua autoria, e uma breve exposição das doutrinas de Leibniz, publicada na Biographie Universelle (1819). Do grupo dos que vieram a se considerar seus discípulos, participaram Royer-Collard a Victor Cousin. Este último publicaria, em 1841, em quatro tomos, as Obras Filosóficas de Maine de Biran. Em 1859, organizada por Ernest Naville, tem lugar a edição de outros textos inéditos, em 3 volumes. Somente neste século divulga-se a obra considerada completa, em 14 tomos.

Maine de Biran elaborou um “Diário Íntimo”- só divulgado após a sua morte, a exemplo da maioria de seus trabalhos – cuja leitura permite compreender a atitude deliberada de não dar à luz o resultado daquela meditação desenvolvida ao longo de mais de três decênios. Pretendia encontrar um princípio único a partir do qual pudesse reconstruir toda a metafísica. Se em relação ao primeiro aspecto parecia afinal haver estabelecido algo de verdadeiramente sólido, restava um longo caminho a percorrer. Por isto mesmo sua obra não o satisfazia e voltava sempre aos mesmos temas. Seus discípulos assim não entenderam. E sem os escrúpulos e a profundidade que caracterizavam o mestre, completaram o seu sistema e levaram-no a um sucesso estrepitoso se bem que efêmero.

Através do que então se denominava de introspeção psicológica, desenvolveu a doutrina do chamado ato voluntário.

O ato voluntário dá-se quando empreendo essa ou aquela ação sem que para tanto haja qualquer excitação exterior. Se movo o meu braço, faço-o por uma deliberação exclusiva da minha vontade. Detendo-se no seu minucioso exame, Maine de Biran acredita ter fundado empiricamente as idéias de eu, causa, e liberdade. Mas essa descoberta não o satisfaz, razão pela qual prossegue na análise. De onde provêm as idéias de Deus, Bem, Moral? Não será possível identificar a experiência que lhes dá origem? Eis o tema a que dedicou toda a vida.

Embora inconclusas suas pesquisas, inclinam-se por admitir que a experiência mística, do ponto de vista da evolução da humanidade, equivaleria ao ato voluntário para o indivíduo, ensejando o contato (empírico, experimental) com realidades mais profundas.

Biran também popularizou a idéia de fato primitivo da consciência, correspondente à unidade entre experiência externa e interna, que o empirismo precedente dissociara. Imaginando valer-se dessa noção para resolver o problema legado por Biran no plano da moralidade, Cousin irá esforçar-se por alargá-la. Assim, postula que os juízos morais também seriam um fato primitivo da consciência.

A par disto, tratou de conciliar a moral aristotélica e a kantiana, isto é, reunindo a idéia de busca da felicidade (bem) e de obrigação. Assim, no famoso livro Du vrai, du beau et du bien escreveria: “Sob todos os fatos, a análise mostrou-nos um fato primitivo que não repousa senão sobre si mesmo: o juízo do bem. Não sacrificamos a este os outros fatos, mas devemos constatar que é o primeiro em data e importância...  O bem é obrigatório. Pois a obrigação repousa sobre o bem: nessa aliança íntima é a este que aquela empresa seu caráter universal e absoluto”.

Essa solução de Cousin estava longe de apaziguar os espíritos, razão pela qual o debate prosseguiria. (Ver também COUSIN, Victor e JANET, Paul).

 

 

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