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Galeria Grandes Personalidades
07/2008
Leonard
T. Hobsouse e o
lançamento
das bases
teóricas do
Welfare
Na
segunda metade do século
XIX, os liberais ingleses
deram prioridade à democratização
do sufrágio
e à transformação
das escolas confessionais
em entidades públicas,
dois aspectos cruciais
na organização
da nova sociedade que
estava surgindo a partir
do desenvolvimento
urbano-industrial.
Nos últimos
decênios do século,
emerge, entretanto,
o problema dos serviços
municipais, fato que
ensejou, ainda na Inglaterra,
um debate deveras interessante
do ponto de vista do
tema que ora nos propomos
esclarecer.
A experiência
marcante teve lugar
em Birmingham, que,
a exemplo de outros
centros industriais,
transformou-se numa
grande aglomeração
humana. Surgiu ali,
como notável
reformador municipal,
Joseph Chamberlain(1836/1914),
do Partido Liberal.
A reforma consistiu
na aquisição
do controle, pela municipalidade,
dos monopólios
no fornecimento de
gás, água
e esgotos, na construção
de hospitais, banheiros
públicos, parques,
centros de leitura
e museus, bem como
na elevação
dos padrões
do ensino e da saúde
a cargo do Poder Público
municipal. Sua gestão
tornou-se um paradigma,
na medida em que justamente
se tratava de erigir
a cidade moderna. Em
que pese a circunstância,
Chamberlain encontrou
ferrenha oposição
tanto dos socialistas,
descrentes da melhoria
das condições
sociais por via legislativa,
como dos seus correligionários
anti-intervencionistas.
A nova postura foi
chamada de socialismo
municipal e o
próprio Chamberlain
definia-o do seguinte
modo: “Consiste
no resultado de uma
sábia cooperação,
pela qual a comunidade
como um todo, trabalhando
através de seus
representantes pelo
benefício do
conjunto de seus
membros, e reconhecendo
a solidariedade de
interesses, que torna
o bem-estar dos mais
pobres uma questão
relevante para os mais
ricos, assumiu suas
obrigações
para reduzir a magnitude
da miséria humana
e para tornar a vida
de todos os cidadãos
algo melhor, algo mais
nobre e algo mais feliz”.1
Na década de
noventa, tanto o Partido
Liberal como o Partido
Conservador chegaram
a um consenso quanto à natureza
singular dos problemas
suscitados pelas aglomerações
humanas, concordando
em que seria inadequado
deduzir das idéias
gerais do laissez-faire,
que serviram para impulsionar
o progresso da Inglaterra
nos decênios
anteriores, regras
que poderiam revelar-se
inadequadas em face
das novas circunstâncias.
Permanecia inteiramente
válido o princípio
segundo o qual o Estado
não deve acalentar
a ilusão de
que possa, com vantagem,
substituir o mercado,
ou imaginar que pode
fazer melhor que o
empresariado na oferta
de bens e serviços.
Como disse um dos contendores
na acalorada discussão
que teve lugar no período, “em
muitas matérias
municipais é lícito
que o Estado possa
acertar onde sempre
anda errado, pela circunstância
de tratar-se de área
territorial limitada,
devendo responder direta
e imediatamente perante
eleitorado ativo e
interessado”.
A liderança
liberal entendeu também
que a municipalidade
possuía a prerrogativa
de intervir no transporte
coletivo e de regular
o preço dos
terrenos urbanos.
É óbvio, entretanto, que a chamada questão social acabaria
identificando-se com o mundo do trabalho. O tema iria reacender as divergências
entre liberais e conservadores, embora ambos se tivessem tornado fiadores do
governo representativo e, mesmo as disputas em torno da democratização
do sufrágio, tendessem a desaparecer. As eleições
de 1886 já se tinham processado sob as novas regras, superadoras do
antigo sistema censitário, na medida em que estava abolida a exigência
de renda para votar e ser votado.
No tocante à questão
social, os conservadores
entendiam, como essencial,
preservar a diferenciação
dos socialistas. Temiam
que os liberais não
fossem capazes de alcançá-lo.
Os liberais, por sua
vez, achavam que seria
justamente nesse plano
que iriam não
só contribuir
decisivamente para
o seu adequado equacionamento
como o fariam de uma
posição
independente, influindo
mais nos socialistas
do que deixando-se
por eles influenciar.
Ainda que, no período
considerado, essa presunção
se tivesse confirmado,
as posições
entre os dois segmentos
jamais se tornaram
consensuais.
Nas discussões então efetuadas --fins do século
XIX e começos do seguinte-- intervieram diversos próceres liberais,
entre estes J. A. Hobson, G.E. Russell, R.B. Haldane, Joseph Chamberlain
e diversos outros. Contudo, sobressai Leonard T. Hobhouse, cujo texto básico Liberalism (1911)
tornou-se um clássico, sendo sucessivamente reeditado.2 O
debate em causa coincide com o fato de que o Partido Liberal dispôs-se
a acolher em sua legenda aqueles que iriam constituir, no Parlamento, a bancada
do Partido Trabalhista. A decisão de criá-lo seria adotada pela
Congresso das Trade Unions de 1899. Nessa fase inicial constituíram órgão
denominado Labour Representation Committee. A adoção
do nome de Labour Party é de 1906.
As Trade Unions, considerando-se
representante dos operários
sindicalizados, tenderam
sempre a estes
circunscrever as conquistas
dos contratos coletivos.
Tal comportamento levaria
a uma significativa
desigualdade no seio
do operariado. Os que
integravam setores
como mineração,
siderurgia, transporte
ferroviário
e grande metalurgia,
isto é, concentradores
de expressivos contingentes
de mão-de-obra,
conseguiram situações
privilegiadas, entre
estas a de contar com
assistência médica.
A obra clássica
de A.J. Cronin 1896/1981), A
cidadela 3 (1937), retrata
bem esse estado de
coisas. É interessante
consignar aqui que
os comunistas, na suposição
de que o capitalismo
jamais conseguiria
universalizar os níveis
de bem-estar alcançados
naqueles setores, batizaram-nos
de aristocracia
operária e
tentaram provar que
os socialistas democráticos
limitavam-se a defender
os interesses de tal
segmento do operariado.
Refletindo esta convicção é que
o escritor norte-americano
Jack London (1876/1916)
escreveria o romance O
tacão de ferro (1908).
Lidando diretamente
com os representantes
do mundo do trabalho,
os liberais tiveram
desde logo que enfrentar
esta questão:
as iniciativas de índole
protecionista deveriam
servir de pretexto
para obrigar os assalariados
a ingressar nos sindicatos?
Seria não só um
atentado à liberdade
dos próprios
trabalhadores como
enfrentar o risco de
discriminar a mão-de-obra
dispersa ou não
qualificada que, dificilmente,
teriam condições
de associarem-se. Os
principais argumentos
para enfrentar esta
e outras questões
que, naquela circunstância,
tinham importância
decisiva na atualização
da doutrina liberal,
proviriam de Hobhouse.
Leonard Trelawny Hobouse
(1864/1929) ensinou
nas Universidades de
Oxford e Londres. Seria
de sua iniciativa a
criação
de uma cadeira de sociologia
naquelas instituições.
Em sua vasta obra teórica
ocupou-se de questões
de ordem filosófica
(Theory of Knowledge.1896; Morals
in Evolution: A Study
in Comparative Ethics,
1906; Social Evolution
and Political
Theory, 1911; The
Elements of Social
Justice, 1922)
bem como de temas relacionados à evolução
social por entender
que o pensamento, em
seu curso histórico,
correlaciona-se com
a sociedade respectiva.
Sua obra continua merecendo
a atenção
dos estudiosos, sendo
bastante ampla a bibliografia
dos textos que lhe
têm sido dedicados.
Por ocasião
do centenário
de sua morte (1964),
divulgou-se uma coletânea
de seus principais
ensaios (Sociology
and Philosophy: A Centenary
Colletion of Essays
and Articles).
O interesse demonstrado
pela questão
social, de expressivo
grupo de intelectuais,
na Inglaterra das primeiras
décadas do século
passado, levou a que
surgisse a denominação
de new liberalism.
Consagrar-se-ia, entretanto,
batizar essa vertente,
para distinguí-la
do conservadorismo
liberal, de liberalismo
social. No período
considerado, Leonard
T. Hobsouse seria a
figura mais destacada.
Em sua meditação
filosófica,
acerca da evolução
social, Hobhouse chegara
a algumas conclusões
inovadoras. Convenceu-se
de que o sucesso da
elite proprietária
não dependia
apenas de sua capacidade
criadora e dedicação
ao trabalho. A forma
pela qual se estrutura
a sociedade também
influi no seu sucesso.
A par disto, os liberais
se haviam notabilizado
pela capacidade crítica
no combate ao absolutismo.
Os problemas
emergentes da nova
sociedade (industrial)
em formação
exigiam que fizessem
sobressair sua força
construtiva. E mais:
as grandes mudanças
não são
provocadas apenas pelas
idéias. Porém,
não podem ser
alcançadas na
ausência destas.
No que diz respeito à índole
da política
social, que preconizava
para os liberais,,
afirmava tratar-se
de uma atitude superadora
das abstrações
tanto do socialismo
como do individualismo
em prol da ênfase
no curso real ou, como
ele mesmo afirmaria: “A
distinção
que desejo reclamar
para o liberalismo
econômico é que
este procura fazer
justiça, na
indústria, de
igual modo, tanto ao
socialismo abstrato
que enfatiza um lado
como ao individualismo
abstrato que se apóia
unicamente num princípio
na ignorância
do outro. Tomamos como
guia a concepção
de harmonia segundo
a qual definimos constantemente
os direitos do indivíduo
em termos de bem comum,
e pensando o bem comum
em termos de bem-estar
de todos os indivíduos
que constituem a sociedade.
Deste modo, em matéria
econômica evitamos
a confusão entre
liberdade e competição
e não vemos
nenhuma virtude no
direito do homem obter
vantagem sobre os outros.
Ao mesmo tempo, não
pretendemos minimizar
o papel da iniciativa,
do talento e da energia
pessoais na produção,
achando-nos, ao contrário,
prontos para atender à sua
pretensão de
merecer o adequado
reconhecimento. Os
socialistas que estejam
convencidos da coerência
lógica e da
aplicabilidade prática
do seu sistema podem
denegrir esse empenho
de harmonizar aspirações
divergentes como uma
série ilógica
e inconsistente de
compromissos. É igualmente
provável que
o socialista que conceba
o socialismo, em sua
essência, como
a cooperação
dos consumidores na
organização
da indústria,
esteja convencido de
que a solução
integral dos problemas
da produção
aponte naquela direção,
e na proporção
em que considera os
fatores psicológicos
na atividade produtiva
e investigue os meios
de alcançar
a realização
de seus ideais, possa
encontrar-se trilhando
aquele caminho no qual
se encontrará com
os homens que estão
atacando os problemas
do dia-a-dia segundo
os princípios
aqui sugeridos e venha
a considerar-se capaz
de colocar-se, na prática,
na linha de frente
do liberalismo econômico.
Se tal se der, a cooperação
entre liberais e trabalhistas,
que nos últimos
anos substituiu o antagonismo
do século passado,
não é um
acidente advindo de
conveniências
políticas temporárias,
mas encontra suas raízes
nas necessidades da
democracia”.4
Como se vê, desde
o começo deste
século, os liberais
estavam de posse dos
elementos doutrinários
que lhes permitiram
traçar a linha
de atuação
que conduziu ao Welfare
State sem concessões
ao socialismo. A oportunidade
para a concretização
dessa linha de atuação
surgiria com o governo
de Lloyd George (1863/1945),
nas primeiras décadas
do século, quando
se institui a pensão
para os velhos, discute-se
amplamente a questão
do mínimo vital
e será fixada
uma primeira diretriz
para fazer face ao
desemprego.
A pensão para
os idosos correspondeu
ao primeiro ponto do
programa social
levado à prática
pelo governo liberal
chefiado por Lloyd
George. O debate dessa
questão decorreu
da evidência
do fracasso das denominadas
Casas de Trabalho,
criadas em decorrência
da Lei dos Pobres (1834),
que deveriam ter tido
a capacidade de facultar
aprendizado ou trabalho
digno para os setores
mais pobres –isto é,
torna-los capazes de
prover a própria
subsistência,
não tendo alcançado
tais objetivos. A necessidade
de uma nova política
era reconhecida pelos
dois maiores partidos
ingleses, do mesmo
modo que reclamada
por diversos segmentos
da sociedade. O novo
estatuto chamou-se Old
Age Pension
Act, aprovado
em 1908, garantindo
pensão mínima
para idosos e necessitados
em geral, sem a obrigatoriedade
da contribuição
prévia. A nota
distintiva do Partido
Liberal em face da
nova legislação,
isto é, a singularidade
do posicionamento do
liberalismo consistia
na linha de argumentação
a que recorreu para
justificá-la.
Na opinião de
Michael Freeden,
na obra antes citada
em que estuda o mencionado
período, tornou-se
consensual a opinião,
expressa por um dos
próceres liberais
da éoca: (J.M.
Robertson autor
de diversas obras muito
valorizadas no período,
como O Futuro do
Liberalismo; A
significação
do liberalismo e Estudos
Sociais). Segundo
esse autor, baseava-se “no
reconhecimento da presença
do elemento social
em todo o comportamento, na
dependência mútua
e na interconexão
que caracteriza as
sociedades humanas.
O seguro social para
os idosos estabeleceria
aquilo que, do ponto
de vista do liberalismo,
constituiria o cerne
da matéria:
correspondeu ao novo
e amplo reconhecimento
da condição
de membro a que têm
direito todos os integrantes
da comunidade”.
Portanto, a consideração
do registro histórico
comprova o papel desempenhado
pelos liberais no adequado
equacionamento da questão
social, fato não
só ignorado
como até negado
entre nós. Em
nosso tempo, contudo,
quando os socialistas
abandonaram a identificação
dessa doutrina com
estatização
da economia, bem como
a utopia da sociedade
sem classes, aderindo à economia
de mercado, não
desaparece o problema
da distinção
entre as duas correntes.
O risco maior reside
no que se convencionou
denominar de tentação
social-democrata,
diante da qual capitulou
o tradicional Partido
Liberal inglês,
ao abdicar de sua identidade
para fundir-se ao Partido
Social Democrata. A
firme defesa dos princípios
liberais encontra-se
em mãos dos
conservadores.
1Apud Michael
Freeden.The
New Libelarism.
An ideology of
social reform.
Oxford, Claredon
Press, 2ª ed.,
1986, p. 36
2 A
reedição
de 1964 contém
estudo introdutório
de Alan P.Grimes,
muito valorizado.
Este e outros livros
de Hobsouse encontram-se
na biblioteca de
Rui Barbosa (1849/1923),
preservada pela
Casa que leva o
seu nome.
3 Esta
obra goza de grande
popularidade no
Brasil, aparecendo
com freqüência,
pela Editora Record,
na magnífica
tradução
de Genolino Amado.
4 L.T.
Hobsouse –Liberalism (1911),
Connecticut, Greenwood
Press, 1980, p.
108/109. Reimpressão
da edição
da Oxford University
Press, de
1964, com introdução
de Alan P. Grimes,
antes referida.
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