Hobbes irá associar
a doutrina do absolutismo
monárquico à nova
forma do pensamento
científico
Thomas Hobbes (1588/1674)
talvez possa ser considerado
como o mais importante
dentre os teóricos
do Estado Moderno como
devendo estruturar-se na
forma de absolutismo
monárquico,
apontados por Jena-Jacques
Chevalier. A par disto,
forneceu à teoria
política da época
correspondente alguns
de seus conceitos fundamentais.
Nesse particular, seu
mérito consiste
em haver dado uma solução
racional à constituição
do absolutismo, a seus
olhos plenamente integrada
na ciência
nova, em cuja
elaboração
também se considerava
engajado e de que resultaria
a superação
da Escolástica
e a emergência
da filosofia e da ciência
modernas. A chave de
sua explicação
residiria no conceito
de estado de natureza,
que teria precedido
a sociedade, caracterizado
por uma guerra de todos
contra todos. Trata-se
de um estado miserável
onde não há nem
pode haver justiça
ou propriedade. Para
sair de semelhante
situação
degradada – espécie
de situação-limite,
por isto mesmo, absoluta – requer-se
uma alternativa igualmente
radical. Os homens
vêm-se instados à renúncia
absoluta perante essa
construção
artificial que é o
Estado, a que denomina
de Leviatã (monstro
colossal de que se
fala no Livro de
Job, na Bíblia).
Além de fiel
discípulo de
Francis Bacon, cuja
crítica à Escolástica
seguiu de perto, Hobbes
circulava na atmosfera
estabelecida por duas
outras grandes obras
do período: Discurso
do método (1637),
de Descartes (1596-1650)
e Diálogo
sobre os dois maiores
sistemas, de Galileu
(1564-1642).
Thomas Hobbes adquiriu
grande familiaridade
com os autores clássicos
e, ao mesmo tempo,
tendo sido secretário
de Francis Bacon (1561-1626),
um dos fundadores da
filosofia moderna,
identificou-se com
a crítica à tradição
aristotélico-tomista.
Freqüentou os
círculos científicos
da época, tomando
conhecimento da hipótese
do racionalismo dedutivo,
de Descartes (1596-1650),
e criticando-a. Visitou
Galileu (1564-1642)
na Itália. Desde
cedo manifestou preferência
pela monarquia absoluta,
tendo oportunidade
de proclamar que "um
rei é mais capaz
que uma república".
Esteve, por isto mesmo,
vinculado aos grupos
absolutistas, exilando-se
em Paris quando da
execução
de Carlos I, em 1649,
de que resulta a extinção
da monarquia. Mais
tarde viria a ser preceptor
do futuro Carlos II,
cuja ascensão
ao poder marca a restauração
da monarquia (1660).
Tendo falecido em 1679,
Hobbes presenciaria
grande parte do reinado
de seu discípulo,
que durou até 1685.
Além da tradução
de obras clássicas,
como a Guerra do
Peloponeso, de
Tucídides, Hobbes
publicou alguns tratados
políticos, os
mais importantes dos
quais são Sobre
o cidadão (1642); A
Natureza Humana (1650)
e Leviatã ou
matéria, forma
e poder de um Estado
eclesiástico
e civil (1651).
Neste último
livro, parte de uma
sistematização
dos postulados da filosofia
empírica, que
então se iniciava,
buscando aplicar à sociedade
os princípios
da observação
e da experiência.
Na análise da
sociedade toma ao poder como
uma categoria-chave.
Acham-se associados
ao poder tanto a riqueza
como o sucesso, a reputação,
a honra, etc. "A
beleza é poder,
escreve, pois sendo
uma promessa de Deus,
recomenda os homens
ao favor das mulheres
e dos estranhos." As
ciências têm
o seu poder limitado "porque
não são
eminentes e, conseqüentemente,
não são
reconhecidas por todos".
Contudo, "o maior
de todos os poderes é aquele
que é composto
pelos poderes de vários
homens, unidos por
consentimento numa
só pessoa, natural
ou civil, que tem o
uso de todos os seus
poderes na dependência
de sua vontade: é o
caso do poder do Estado".
A observação
dos costumes leva-o à convicção
de que não existem
fins últimos
nem o bem supremo – finis
ultimus e summum
bonum "de
que se fala nos livros
dos antigos filósofos
morais". Define
a felicidade como "um
contínuo progresso
do desejo, de um objeto
para outro, não
sendo a obtenção
do primeiro outra coisa
senão o caminho
para conseguir o segundo".
As ações
dos homens, do mesmo
modo que suas inclinações,
buscam não apenas
conseguir mas igualmente
manter uma vida satisfatória. "Assinalo
assim, conclui, em
primeiro lugar, como
tendência geral
de todos os homens,
um perpétuo
e irrequieto desejo
de poder e mais poder,
que cessa apenas com
a morte."
Essa tendência
conduz à disputa
e ao conflito. Afirma
Hobbes: "A competição
pela riqueza, a honra,
o mando e outros poderes
leva à luta, à inimizade
e à guerra,
porque o caminho seguido
pelo competidor para
realizar seu desejo
consiste em matar,
subjugar, suplantar
ou repelir o outro".
Nessa circunstância,
a busca de um poder
comum, merecedor de
obediência, resulta
tanto do desejo de
uma vida confortável
e serena, como do medo
da morte.
O poder do monarca
não advém
pois de Deus mas resulta
de uma delegação
dos próprios
homens. É um
contrato, isto é, "uma
transferência
mútua de direito".
Para cumpri-lo e executá-lo,
deve o soberano concentrar
todos os poderes em
suas mãos. Deste
modo, a idéia
do pacto ou do contrato
social nasce associado
ao absolutismo. Mais
tarde, preservando
a noção
de contrato social,
outros autores iriam
solucioná-lo
de formas diferentes.
No mesmo ciclo, John
Locke, sem abdicar
da idéia de "estado
de natureza",
iria derivar o poder
da representação,
tendo em seu favor
sobretudo a experiência
de quase um século
de instabilidade política.
Os postulados de Hobbes
não são
deduzidos desse ou
daquele conceito, como
se dava na Escolástica.
Para exemplificar,
no que respeita ao
próprio cerne
da sua doutrina, o estado
de natureza, de
cuja existência
pareceriam inexistir
evidências empíricas,
Hobbes formula sua
tese deste modo:
"... durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de
os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição
a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra
todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no
ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar
batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção
de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra,
do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza
do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa
tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também
a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição
para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário.
Todo o tempo restante é de paz.
Portanto tudo aquilo
que é válido
para um tempo de guerra,
em que todo homem é inimigo
de todo homem, o mesmo é válido
também para
o tempo durante o qual
os homens vivem sem
outra segurança
senão a que
lhes pode ser oferecida
por sua própria
força e sua
própria invenção.
Numa tal situação
não há lugar
para a indústria,
pois seu fruto é incerto;
conseqüentemente
não há cultivo
da terra, nem navegação,
nem uso das mercadorias
que podem ser importadas
pelo mar; não
há construções
confortáveis,
nem instrumentos para
mover e remover as
coisas que precisam
de grande força;
não há conhecimento
da face da Terra, nem
cômputo do tempo,
nem letras; não
há sociedades;
e o que é pior
do que tudo, um constante
temor e perigo de morte
violenta. E a vida
do homem é solitária,
pobre, sórdida,
embrutecida e curta" (Cap.
XIII).
A defesa da hipótese
está formulada
nos seguintes termos:
"Poderá parecer estranho a alguém que não tenha
considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens,
tornando-os capazes de atacar-se e destruir-se uns aos outros. E poderá,
portanto, talvez desejar, não confiando nesta inferência, feita
a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência.
Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma
viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas
portas; que mesmo quando está em casa tranca seus cofres; e isto mesmo
sabendo que existem leis e funcionários públicos armados, prontos
a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião
tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus concidadãos,
ao fechar suas portas; e de seus filhos servidores, quando tranca seus cofres?
Não significa isso acusar tanto a humanidade como seus atos como eu
o faço com minhas palavras? Mas nenhum de nós acusa com isso
a natureza humana. Os desejos e outras paixões do homem não são
em si mesmos um pecado. Nem tampouco o são as ações que
derivam dessas paixões, até ao momento em que se tome conhecimento
de uma lei que as proíba; o que será impossível até ao
momento em que sejam feitas as leis; e nenhuma lei pode ser feita antes de
se ter determinado qual a pessoa que deverá fazê-la" (Cap.
XIII).
Quanto ao Leviatã,
a Coleção Os
pensadores insere
a tradução
portuguesa em seu texto
integral. Ao contrário
de O Príncipe,
que apresenta objeto
muito preciso e ao
tema proposto circunscreve
a análise, o Leviatã aborda
muitas questões
aparentemente distanciadas
do tema. Trata-se de
que seu autor cuidava
de inserir a sua análise
num contexto mais amplo,
a fim de torná-la
caudatária da
ciência nova
que então se
elaborava, em contraposição à Escolástica.
O livro subdivide-se
em quatro partes, dedicada
a Primeira ao Homem,
a Segunda ao Estado,
a Terceira ao Estado
Cristão e a
Quarta ao que denominou
de "Reino das
Trevas". Segundo
se indicou, foi um
fiel discípulo
e continuador de Francis
Bacon (1561/1626),
cujo texto básico – Novum
Organum--, inicia
a tradição
empirista inglesa,
apoiada na crítica
a Aristóteles, cuja
obra nutria a Escolástica,
que se propunha superar.
Seguiu ao mestre na
tese de que a introdução
da nova ciência
supõe o combate
aos preconceitos antigos,
a que chama de falsos ídolos,
que era de variada
espécie mas
de um modo ou de outro
estavam relacionados
ao saber escolástico.
Para Hobbes o reino
das trevas resulta:
1°) da má interpretação
das Escrituras (Cap.
XLIV); 2°) da demonologia
e outros vestígios
da religião
dos gentios (Cap. XLV);
e 3°) das tradições
fabulosas (Cap. XLVI).
No último capítulo
(XLVII) diz claramente
que o beneficiário
das trevas é a
Igreja de Roma e que
o seu suporte é a "vã filosofia
de Aristóteles".
Na Primeira Parte,
Hobbes ocupa-se de
alguns temas que a
posteridade iria agrupar
em diferentes disciplinas.
Assim, procura explicar
como se formam as idéias
(tipo de investigação
mais tarde denominada
de teoria do conhecimento);
estuda as paixões
de uma forma que mistura
questões psicológicas
e morais; e ainda temas
de ordem política
com o propósito
de correlacioná-los às "leis
da natureza".
Ainda seguindo a Bacon
nesse passo, Hobbes
supunha que o conjunto
do saber sistematizado
pela Escolástica
podia ser substituído
globalmente pelo Novum
Organum, que corresponderia
a nova lógica
ou metodologia
geral.
As questões
relacionadas ao Estado,
inclusive suas relações
com o poder eclesiástico,
que era na época
um problema-chave,
estão estudadas
na Segunda e na Terceira
Partes.
O conceito de estado
de natureza, que será uma
questão-chave
para a filosofia política
que lhe seguiu de imediato,
encontra-se no Capítulo
XIII, onde também
descreve a guerra de
todos contra todos,
que teria existido
naquela fase. Outros
temas relevantes acham-se
nestes capítulos:
· XVII, em que aborda o surgimento do Estado;
· XVIII, onde define o caráter absoluto do poder do Monarca;
· XIX, em que confronta a monarquia absoluta a outros sistemas e estuda
a questão sucessória, um tema circunstancial que lhe permite
precisar a natureza do Estado e do poder do Monarca;
· XX, espécie de corolário das análises anteriores;
· XXI, em que trata da liberdade dos súditos e de compatibilizá-la
com o absolutismo monárquico; e, finalmente,
· XXIX,
em que identifica a quebra do poder absoluto como a causa primordial da dissolução
de um Estado.