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Galeria Grandes Personalidades
06/2008
William
Gladstone e
a democratização
do sufrágio
eleitoral
William
Gladstone (1809/1898)
foi educado para tornar-se
pastor anglicano, sendo
não
só um homem
de grande cultura como
interessado em questões
muito distanciadas
da política
partidária, às
quais dedicaria alguns
de seus livros, a exemplo
da Teologia; da crítica à Igreja
Católica na
sua marcha anti-liberal
e rigidamente hierarquizada
em torno do Papa; bem
como da moralidade
em geral. Homem de
princípios,
conseguiu dar grande
coerência doutrinária
ao Partido Liberal. É uma
presença marcante
na política
inglesa da segunda
metade do século
XIX, ao lado de seu
famoso rival Benjamin
Disraeli (1804/1891).
Elegeu-se para o Parlamento
muito jovem, em 1832,
aos 23 anos de idade.
Integrava então
a bancada do Partido
Conservador. Esse era
um tempo em que os
partidos ingleses seriam
instados a congregar-se
em torno de princípios
programáticos,
fato que seria assinalado
por Philip Magnus,
seu grande biógrafo.
Segundo esse autor,
a Reforma Eleitoral
de 1832, que assegurou representação à elite
proprietária
urbana e extinguiu
a dos chamados “burgos
podres” --colégios
eleitorais sem maior
expressão--,
constitui o ponto de
inflexão. Até então,
parece-lhe, “os
membros do Parlamento
não
se sentiam constrangidos
pelos termos dos programas
dos partidos ou pelas
promessas aos eleitores...
Outra teoria do Partido
achava-se entretanto
implícita em
muitos discursos por
ocasião dos
debates da Reforma.
Encontra-se, é certo,
em sua infância,
e o primeiro impulso
sério naquela
direção
não seria dado
até 1845, quando
Disraeli ataca Peel
por trair os compromissos
eleitorais do Partido
Conservador quanto à manutenção
da Lei dos Cereais.
Até então
a velha e a nova concepção
existiam lado a lado.
A velha teoria do Partido é abalada
quando emergem conflitos
de princípios.
Estes conflitos eram,
de todos os modos,
o elemento vital da
nova teoria, que exigia
fossem explicitados
sempre que não
se tornassem imediatamente
aparentes”1
A Lei dos Cereais é de
fato marco destacado
na política
inglesa. Os agricultores
locais tinham conseguido
que o governo taxasse
fortemente o produto
importado. Essa praxe
contrariava de modo
frontal os interesses
da nascente indústria,
que sonhava com a eliminação,
por toda a parte do
mundo, das barreiras
opostas à sua
penetração.
Com o propósito
de conseguir a abolição
do sistema em vigor,
criou-se um amplo movimento
em favor do livre comércio
(livre-cambismo,
como veio a ser conhecido),
liderado por Richard
Cobden (1804/1865),
rico industrial de
Manchester e que se
transformou numa das
personalidades importantes
do Partido Liberal.
Em 1845, uma colheita
desastrosa criou uma
situação
insuportável
para as camadas mais
pobres da população.
Diante da gravidade
do quadro, o Primeiro
Ministro Conservador
Robert Peel (1788/1850)
decide votar a proposta
liberal, abolindo as
taxas de importação
dos cereais estrangeiros.
O fato acarreta uma
grave crise no Partido
Conservador. Entre
outros, Peel ganha
a adesão de
Gladstone. Afastando-se
do Partido Conservador,
o grupo de Peel fica
durante vários
anos como um bloco
independente mas finalmente
Gladstone adere ao
Partido Liberal, onde
acabaria exercendo
a liderança.
À derrocada da Lei dos Cereais seguem-se importantes passos na eliminação
do protecionismo. Assim, em 1849 são abolidas todas as restrições à freqüência
de navios estrangeiros nos portos ingleses e, em 1852, suprimem-se diversas
tarifas alfandegárias e reduzem-se as demais. Com base nesse regime
de liberdade comercial, o país ingressa num vigoroso ciclo de progresso
material. Desta forma, passaram-se cerca de oitenta anos para que a Inglaterra
proclamasse a sua firme adesão às doutrinas postas em voga por
Adam Smith (1723/1790), em sua obra famosa, aparecida em 1776: Investigação
sobre a natureza e as causas da riqueza das nações.
Este ciclo de prosperidade é geralmente
denominado de Era Vitoriana,
porquanto inserido
no longo reinado da
Rainha Vitória,
que durou de 1837 a
1901. Essa ocupante
do trono inglês
soube adaptar-se plenamente à vida
constitucional britânica,
caracterizada pela
presença de
Executivo independente
da Coroa e controlado
pelo Parlamento.
Na
condição de líder do Partido Liebral, William Gladstone
torna-se Primeiro Ministro em 1868. Os liberais permanecem no poder até 1874;
conquistam-no novamente em 1880, sendo afastados em 1886. Por fim, Gladstone
retorna ao cargo de chefe do governo no período 1892/1894. Entre os
feitos que caracterizam a sua gestão sobressai a introdução
do sufrágio universal, na forma como era entendido na época,
isto é, abrangendo apenas a população masculina. Graças à Reforma
Eleitoral de 1832, o eleitorado expandira-se de 4,4% para 7,1, da população
maior de 21 anos. Nas eleições de 1886, já correspondiam
a 28,5%. O importante a registrar, nesse particular, é que os liberais
opuseram-se radicalmente à pregação dos cartistas, pelas
razões que serão apontadas adiante.
Denominou-se movimento
cartista a campanha
levada a cabo, na Inglaterra,
por políticos
e pensadores que se
denominavam radicai 2,
estruturado em torno
da Carta das Liberdades
do Povo, cujo
programa abrangia cinco
pontos: 1) sufrágio
universal; 2) voto
secreto; 3) eleições
anuais; 4) supressão
da exigência
de renda e 5) remuneração
aos deputados. Como
se vê, com o
correr do tempo estas
reformas foram levadas
a cabo pelos liberais.
Contudo as proposições
do cartismo achavam-se
associadas a uma tradição
cultural formada no
Continente, que tinha
sua origem na Revolução
Francesa e nas idealizações
acerca do homem postas
em circulação
por Rousseau e seguidores.
A liderança
política inglesa,
de um modo geral --e
não apenas os
integrantes do Partido
Liberal-- não
podia aceitar o que
lhes parecia simples
abstrações,
inteiramente dissociadas
do processo real.
Tinha plena consciência
de que, longe de ser
composta por essas
criaturas idealizadas,
a sociedade subdividia
em grupos de interesses
muito concretos, mais
das vezes de difícil
conciliação.
Além disto,
a construção
do governo representativo
louvara-se de dura
e cruenta experimentação.
Nesse contexto, não
levou a sério
as proposições
antes enumeradas, embora,
por caminho próprio,
acabasse chegando àqueles
resultados. Mas num
longo processo de experimentação,
de quase meio século.
A liderança
cartista criticou acerbamente
a Reforma Eleitoral
de 1832 e, durante
certo período,
conseguiu realizar
manifestações
e atos públicos
amplamente concorridos
em favor da Carta.
A partir de 1848 o
cartismo entra em declínio
e desaparece de todo.
Semelhante desfecho
sugere que seu prestígio
popular decorria da
força de outras
aspirações
sociais, como a liberdade
de comércio
e a melhoria das condições
sanitárias das
cidades e, em geral,
do ambiente dos novos
locais de trabalho
surgidos com a indústria.
Na medida em que o
Parlamento adota o
livre-cambismo e tem
lugar a melhoria das
condições
de trabalho, as reivindicações
cartistas se isolam
e perdem terreno.
Em que pese a derrota
do cartismo, o processo
de democratização
da idéia liberal
seguiu seu curso, tendo
a Gladstone, na liderança
do Partido Liberal,
como seu grande artífice. À luz
da própria experiência
inglesa, os liberais
davam-se conta de que
a condição
de proprietário
não era requisito
exclusivo para o exercício
da cidadania. Esta
requeria por certo
consciência plena
dos seus interesses
e meios para defendê-los,
razões pelas
quais o princípio
havia se tornado consensual
na luta pela implantação
do governo representativo,
no século XVII.
Então, inexistia
qualquer indício
de que o elemento popular
deixasse de ir a reboque
dos monarcas que tendiam
para o governo absoluto.
A experimentação
do novo sistema, ao
longo do século
e meio, desde o desfecho
da Revolução
Gloriosa, exigira o
aprimoramento das regras
eleitorais, conforme
foi ressaltado.
Nos meados do século
XIX, a situação
do país registrava
grande mudanças.
Multiplicavam atividades
bem remuneradas, independentemente
da posse dos meios
de produção.
Além disto,
a liberdade de imprensa
e o fato de que a escola
tenha deixado de ser
freqüentada apenas
por uma pequena elite
criaram novas formas
de acesso àquela
consciência.
Ainda assim, o que
de fato marcaria a
liderança liberal
seria a evolução
do movimento sindical.
As trade-unions tinham deixado de ser associações
destinadas a impedir a introdução das máquinas, para se
transformar numa forma de obtenção, junto aos próprios
trabalhadores, dos recursos requeridos pela defesa dos seus interesses.
Até à altura em que se faz presente o movimento cartista,
a proibição de seu funcionamento manteve-se com todo o rigor.
Mesmo a Grand National Consolidated Trade Unions, de Robert
Owen (1771/1858) --líder industrial reformista empenhado na organização
do mundo do trabalho, para fomentar uma forma de apoio mútuo que veio
a dar nascedouro às cooperativas --, que reunia 500 mil adeptos, veio
a ser dissolvida nos anos quarenta.
Contudo, a partir da
segunda metade do século
passam a ser toleradas.
Em 1868, realizam o
Primeiro Congresso
Anual e, entre 1871
e 1876, o Parlamento
vota as disposições
que regulam o seu funcionamento.
Era preciso, portanto,
dar continuidade ao
aprimoramento da representação,
de modo que preservasse
a capacidade de refletir
as mudanças
ocorridas na sociedade.
Em 1866, Gladstone
apresenta ao Parlamento
um novo projeto de
Reforma Eleitoral que é derrotado
pela maioria conservadora
mas encontra ampla
receptividade junto à opinião
pública.Tratava-se
de estender o direito
de voto aos chefes
de família,
residentes na Capital,
que ficariam dispensados
da prova de renda.
Para atender a tais
reclamos, no ano seguinte,
os próprios
conservadores, liderados
por Disraeli, patrocinam
essa reforma, ensejando
a ampliação
o contingente eleitoral.
Logo depois, em 1872,
achando-se no poder,
Gladstone obtém
do Parlamento a introdução
do voto secreto. Em
1877, na oposição,
suscita no Parlamento
a necessidade de estender
a todos os condados
a prerrogativa que
havia sido assegurada
aos eleitores chefes
de família da
Capital. Os debates,
que então se
travaram na Câmara,
vieram a ser publicados,
quando Gladstone se
dispôs a reunir
seus discursos, artigos
e ensaios numa coletânea
que denominou de Glending
of Past Years.
No primeiro desses
volumes 3 figuram
três de seus
pronunciamentos quando
da discussão
acerca da pretendida
extensão do
eleitorado. Contêm
um amplo balanço
da experiência
eleitoral precedente,
pela qual se vê que
a doutrina da representação
política como
sendo de interesses,
da lavra de Benjamin
Constant de Rebecque,
havia calado fundo
na liderança
liberal inglesa.
A linha de argumentação seguida
por Gladstone poderia
ser resumida como segue:
1º) enfatiza a
necessidade de deixar
de considerar-se a
extensão do
eleitorado como se
se tratasse de interesse
partidário;
2º) consigna a
justeza de se haver
optado por proceder àquela
ampliação
de forma ponderada,
atentos aos resultados
da experimentação;
3º) com base nessas
premissas afirma que
a Câmara Baixa
não deve persistir
na exclusão “do
direito eleitoral a
uma classe a quem ninguém
pode atrever-se a negar
sua aptidão
para fazer uso de tal
direito”. E,
prossegue: “Esta
classe é a classe
média”4.
Lembra que, quando
da discussão
da lei, afinal aprovada
em 1867, dizia-se que
o país cairia
no abismo (argumento
que também se
usou quando da Reforma
de 1832). A experimentação
desde então
efetivada, a seu ver,
comprova terem
sido infundados tais
receios.
No novo governo que
organiza dezessete anos
mais tarde, em 1884,
consegue aprovar legislação
que cria distritos
com importância
análoga, cada
um elegendo um deputado.
O direito de voto é então
grandemente ampliado
chegando o corpo eleitoral
a ser integrado por
4 milhões de
pessoas. Nas últimas
eleições
anteriores à primeira
Guerra, as dimensões
do eleitorado (30%
da população
maior de 21 anos) iriam
comprovar que coube
a Gladstone a imensa
tarefa de introduzir,
com sucesso, o sufrágio
universal masculino.
A plena democratização
do sistema somente
ocorreria depois da
primeira guerra mundial.
Em 1918, a lei assegura
o direito de voto a
todos os ingleses maiores
de 21 anos e a todas
as mulheres com mais
de 30 anos. A igualdade
entre homens e mulheres é aprovada
em 1928.
A rigor, portanto,
o processo de democratização
da idéia liberal
desenvolve-se, na Inglaterra,
ao longo de praticamente
um século, isto é,
de 1832 a 1928. Em
nenhum momento a liderança
liberal abdicou da
noção
de que a representação é de
interesses nem capitulou
diante das idealizações
do bom selvagem ou
das teses do democratismo,
que o século
XX iria demonstrar
tratar-se, na verdade,
do caminho mais curto
para o totalitarismo.
Na segunda metade do
século XIX,
quando a Inglaterra
optava pela prudência
na matéria,
na França de
Napoleão III
a democratização
do sufrágio,
introduzida abruptamente,
seria colocada ao serviço
da volta à monarquia
absoluta, mediante
a realização
de plebiscitos. A experiência
inglesa constitui a
mais cabal demonstração
de que o sistema representativo
não se propõe
eliminar as limitações
da pessoa humana mas
criar condições
adequadas à solução
dos inaceitáveis
conflitos sociais,
sem recurso ao arbítrio.
1Gladstone,
a Biography.
London, John
Murray Publishers,
1954, p. 20.
2Graças
a essa circunstância,
em muitos países
agremiações
liberais adotaram
o nome de Partido
Radical.
3Mereceria
tradução
espanhola com o
título
de Questiones
constitucionales
1873/1878.
Madrid, Libreria
de Simon Y Osler,
1882.
4Obra
citada, edição
citada, pág.
159.
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